A recuperação judicial no agronegócio brasileiro

O advogado Adelino Neto aponta os avanços e desafios que o setor ainda enfrenta para reestruturar suas dívidas.

Tempo de leitura: 4 min

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Por: Adelino Neto
Advogado Adelino Neto - Foto: arquivo pessoal/reprodução/IA

Advogado Adelino Neto - Foto: arquivo pessoal/reprodução/IA

A aplicação da Lei de Recuperação Judicial (Lei nº 11.101/2005), especialmente após as alterações promovidas pela Lei nº 14.112/2020, tem ganhado relevância no contexto do agronegócio. Considerado um dos pilares da economia brasileira, o setor agropecuário apresenta particularidades que exigem uma leitura diferenciada da legislação, como a sazonalidade das atividades, a forte dependência de fatores climáticos e a recorrente necessidade de financiamento.

Historicamente, o agronegócio brasileiro envolve desde grandes conglomerados exportadores até a agricultura familiar, responsável por grande parte da produção de alimentos para o mercado interno. A inserção da recuperação judicial nesse cenário amplia as possibilidades de reestruturação econômica para produtores rurais em dificuldades financeiras, seja por razões conjunturais, como crises econômicas, ou estruturais, como endividamentos crônicos e dificuldade de acesso a crédito.

Com a modernização da legislação, passou-se a reconhecer de maneira mais clara os produtores rurais como beneficiários da recuperação judicial. Entre os avanços, destacam-se a inclusão dos créditos rurais, o reconhecimento das peculiaridades das atividades agrícolas e a flexibilização de requisitos como a comprovação do exercício da atividade rural por meio de documentos diversos, não se limitando apenas ao registro empresarial. Essa mudança abriu caminho para que pequenos produtores, inclusive pessoas físicas, tenham acesso a esse instrumento jurídico.

Um dos marcos da reforma foi a possibilidade de produtores rurais reestruturarem suas dívidas respeitando os ciclos produtivos, com prazos de carência e condições mais adequadas à realidade do campo. A legislação reformada reconheceu que a dinâmica da produção agropecuária exige tempo para maturação dos investimentos e retorno financeiro, o que justificou a criação de regras específicas dentro da recuperação judicial. Isso representou um avanço na compatibilização entre o direito empresarial e a realidade rural.

A adoção da recuperação judicial pelo setor agro, no entanto, ainda enfrenta barreiras. Muitos produtores desconhecem os benefícios e ainda existe o estigma de que entrar com pedido de recuperação significa inadimplência ou perda de reputação. Na prática, a recuperação judicial pode ser um caminho legítimo para manter a continuidade das operações e reorganizar as finanças, preservando empregos, movimentando o mercado e garantindo a produção de alimentos.

Além disso, a recuperação judicial contribui para dar segurança jurídica às relações comerciais e renegociar contratos em bases sustentáveis. A existência de um plano de recuperação viável, construído com a participação de credores, é central para o sucesso do processo. Isso exige planejamento, assessoria especializada e compreensão dos aspectos legais e econômicos envolvidos.

É importante observar que a legislação impõe limites: o produtor rural que deseja se beneficiar da recuperação judicial precisa comprovar o exercício regular da atividade nos dois anos anteriores ao pedido. A reforma trouxe clareza ao estabelecer que esse prazo pode ser comprovado por meio de notas fiscais, declarações de imposto de renda ou outros documentos que demonstrem a continuidade da atividade, mesmo que o produtor ainda não possua registro na Junta Comercial.

A regulamentação atual também define que produtores com dívidas inferiores a R$ 4,8 milhões não precisam estar formalmente registrados como empresas. Essa flexibilização amplia o alcance da legislação e permite que produtores familiares e pequenos empresários rurais também possam utilizar esse instrumento de reorganização financeira.

Nesse sentido, a recuperação judicial se consolida como ferramenta relevante para a sustentabilidade econômica do setor. 

Ela permite a continuidade da produção agrícola e pecuária mesmo diante de adversidades, ao mesmo tempo em que protege fornecedores, colaboradores e consumidores dos impactos de uma falência desordenada. Ao manter viva a cadeia produtiva, a recuperação judicial também assegura o abastecimento de mercados e o cumprimento de contratos.

No entanto, sua aplicação deve considerar cuidadosamente os ciclos da natureza, as particularidades das lavouras e criações, além da volatilidade de preços e custos de insumos. Um plano de recuperação bem-sucedido exige sensibilidade para esses fatores, aliada a uma atuação coordenada entre o Poder Judiciário, profissionais jurídicos e agentes do agronegócio.

Conclui-se que a recuperação judicial, ao ser adaptada à realidade do campo, se revela um instrumento jurídico essencial para garantir a perenidade do agronegócio brasileiro. Sua eficácia depende do conhecimento técnico, da orientação adequada e de uma legislação que continue evoluindo conforme as transformações do setor produtivo. O caminho para a sustentabilidade do campo passa, também, por garantir aos produtores acesso a mecanismos jurídicos eficientes que os ajudem a enfrentar crises e a permanecer como protagonistas do desenvolvimento nacional.

 
Adelino Neto é advogado, engenheiro, professor, doutor em Direito, doutor em Ciências Sociais e Jurídicas, administrador judicial,  membro consultor da comissão de falência e recuperação judicial da OAB Nacional e presidente da  Associação Brasileira de Administradores Judiciais (Abajud).
 
* Os textos das análises, colunas e artigos são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do Hjur
 

 

 

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