Adolescência, um retrato direto e contundente
Em plano-sequência, a câmera nunca sai da ação e nós também não, escreve Jeffis Carvalho sobre série da Netflix.

Foto: Netflix/divulgação
No episódio 2, a câmera imersiva aumenta a tensão e retrata uma escola secundária de forma vívida e realista. Gravado num único plano-sequência, assim como toda a minissérie, o episódio revela que a câmera também é um drone que alça voo a partir da rua e mostra um plano geral aéreo da escola e seus arredores. É onde transcorre toda a ação desta segunda parte de Adolescência, a impressionante e angustiante nova estreia da Netflix.
O que se ouve nessa cena magistral é a canção Fragile, de Aaron May e David Ridley, os autores da trilha sonora. O primeiro verso da letra, cantada por vozes adolescentes, sintetiza o que até aquele momento os telespectadores presenciam (em livre tradução):
Se o sangue fluirá quando a carne e o aço forem um
Secando na cor do sol da tarde
A chuva de amanhã lavará as manchas
Mas algo em nossas mentes sempre permanecerá
O sentimento é mesmo resultado do impacto que vamos sentir ao assistir essa brilhante minissérie britânica produzida pela Netflix. Logo na primeira sequência, somos arrebatados pelas imagens de uma ação para prender um suspeito de homicídio. Uma casa é invadida por policiais armados. Uma família comum é surpreendida e acordada logo ao amanhecer. O pai levanta as mãos e a mãe berra assustada; a filha abre a porta do banheiro e, de susto, cai ao chão. Aí entendemos que o suspeito é Jamie (em uma impressionante performance de Owen Cooper), o filho de 13 anos que é levado preso. Graham, o pai de Jamie, inicialmente acredita na inocência do filho até ser confrontado com imagens do crime.
Como resumiu o jornal britânico The Guardian, esse sincero drama sobre o universo adolescente acompanha a família Miller, cujas vidas são destruídas quando Jamie é preso acusado de matar uma colega de classe, Katie. O enredo aborda homicídio com faca, cyberbullying, e as pressões enfrentadas pelos jovens na Grã-Bretanha e em quase todo o mundo de hoje, incluindo raiva masculina e misoginia online.
A ideia original da série é do grande ator Stephen Graham que brilha no papel do pai. Ele conta que pensou em abordar o tema após uma onda de crimes violentos envolvendo vítimas e criminosos adolescentes. “Isso realmente atingiu meu coração”, disse Graham na estreia do programa. “Eu só pensei: O que está acontecendo? Como chegamos a isso? O que está acontecendo com nossa sociedade?” O ator envolveu seu colaborador regular, o roteirista Jack Thorne, para criar um drama contundente que questiona por que os meninos estão cometendo atos tão extremos contra as meninas.
A câmera nunca sai da ação e nós também não. O que poderia ser apenas um truque chamativo – cada episódio é feito em único plano-sequência – revela-se um recurso para aumentar a tensão vibrante em tempo real. Isso cansa um pouco em alguns momentos, mas a direção segura de Philip Barantini consegue equilibrar a proposta.
Nas suas quatro partes, acompanhamos o trabalho do inspetor Bascombe, também ele pai de um adolescente que estuda na mesma escola de Jamie. E é por meio de seu filho que ele começa entender como está hoje o universo dessa juventude que faz a transição do mundo infantil para a vida adulta. Quando o inspetor percebe que não tinha entendido quase nada das motivações, nós também somos pegos de surpresa em função de nossas conclusões precipitadas. Por isso mesmo, Adolescência é uma minissérie obrigatória para os pais com filhos adolescentes.
Para assistir Adolescência é só acessar a Netflix.
Jeffis Carvalho é jornalista, roteirista e editor de Cinema do Estado da Arte, do Estadão.
* Os textos das colunas, análises e artigos são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do Hjur.
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