Partituras originais de Schoenberg viram cinzas
Incêndios de LA consomem parte da história musical do Século XX, escreve Jeffis Carvalho

Egon Schiele: Retrato de Arnold Schoenberg (1917)
A luz da civilização, a esperança e a possibilidade de transformação da natureza. Estas são as “chamas” de Prometeu – que no mito roubou o fogo do Olimpo e o deu aos homens. Elas são também uma metáfora sobre a liberdade, a coragem e a luta pela civilização. Por outro lado, as chamas que transformam também destroem, queimam e reduzem tudo a cinzas.
Inevitável pensarmos na força dessa contradição diante da destruição de um acervo cultural como as cem mil partituras de Arnold Schoenberg (1874-1951), o compositor que inaugurou o modernismo musical e foi decisivo na produção de música clássica do Século XX. Há quase duas semanas, ventos fortes fizeram com que as chamas que começaram nas encostas das montanhas a oeste de Los Angeles, Califórnia, se transformassem em um incêndio florestal de rápida propagação, que se espalhou pela vegetação já seca até engolir o bairro de Pacific Palisades, perto de Santa Mônica.
“Perdemos tudo, é brutal”, disse, ao New York Times, Larry Schoenberg, filho do compositor. Ele administrava a Belmont Music Publishers de sua casa em Pacific Palisades. Ali, em um prédio de 185 metros quadrados nos fundos de sua casa era mantido todo o acervo do pai. Nascido na Áustria, Schoenberg mudou-se para os Estados Unidos em 1933, fugindo da perseguição nazista. Ele se estabeleceu em Los Angeles, onde continuou a compor e ensinar. Durante sua residência na cidade, acumulou um vasto arquivo de partituras e documentos, muitos dos quais eram manuscritos originais de suas composições.
O catálogo desse gigante da inovação musical era composto de peças “exuberantes e românticas “ de sua juventude até as obras que revolucionaram o cenário musical na década de 1910. Pioneiro do dodecafonismo – técnica dos 12 tons -, sua contribuição para a música moderna é inestimável. As suas composições, cheias de inovação e complexidade, transformaram o panorama musical e inspiraram gerações de compositores.
Os incêndios que assolaram Los Angeles varreram com ferocidade bairros inteiros, incluindo a área onde o acervo de Schoenberg estava armazenado. Além das partituras originais de obras icônicas, perderam-se também anotações pessoais e documentos históricos, tudo consumido pelas chamas.
Impacto Cultural
A perda é incalculável não apenas em termos materiais, mas também pela destruição de um pedaço vital da história musical. A destruição dos documentos de Arnold Schoenberg representa uma perda irreparável para a cultura mundial. Afinal, a preservação de partituras e manuscritos originais é crucial para a compreensão da evolução criativa de um compositor. Essas peças não só fornecem insights sobre o processo de composição, mas também são testemunhas tangíveis da história da música.
Embora muitos dos documentos de Schoenberg tenham sido destruídos, esforços estão sendo feitos para preservar e digitalizar qualquer material restante. Instituições musicais e acadêmicas estão colaborando para garantir que o legado de Schoenberg continue a ser estudado e apreciado por futuros músicos e estudiosos.
Para aqueles que na definição do professor Jorge de Almeida, da USP, que, assim como ele, têm medo de Schoenberg, há diversas razões para temê-lo e muitas razões para admirá-lo. “Talvez sejam as mesmas... Por isso é preciso abrir os ouvidos para o que esse ‘medo’ diz sobre nós, sobre a sua música e sobre o século que já nos separa”.
Para quem nunca ouviu Schoenberg, uma boa introdução é seu maravilhoso sexteto para cordas Noite Transfigurada op.4 (1899), depois transposto por ele para orquestra de cordas. Trata-se de uma peça de transição do romantismo tardio sob inspiração de Mahler para a revolução que Schoenberg promoveria poucos anos depois.
Aqui está o link, na regência de Pierre Boulez, com a Essemble Intercontemporain:
https://open.spotify.com/intl-pt/track/5rxyR26DwuVt8ZtPKTZF3i?si=16bc1177c64c49b8
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