A Assembleia Legislativa de Mato Grosso tornou-se protagonista de uma grande polêmica na área ambiental, ao aprovar, na última semana, durante sessão extraordinária realizada em pleno recesso, uma lei que muda dispositivos do Código Estadual de Meio Ambiente e converte florestas antes consideradas pertencentes ao bioma Amazônia em vegetação classificada como bioma Cerrado.
Se a matéria for sancionada pelo governador do Mato Grosso, Mauro Mendes (União), o percentual de reserva legal — áreas onde existem restrições mais rígidas para ações como desmatamento e outras atividades — será reduzido de 80% para 35% no estado.
A votação foi vista por ambientalistas e integrantes do Judiciário como uma estratégia política articulada por setores do agronegócio. O projeto de lei foi aprovado por 15 votos contra oito e os ambientalistas da região trabalham agora para que o governador vete a proposta, já rejeitada por meio de notas públicas de instituições diversas.
A constitucionalidade da lei é um dos pontos levantados por quem se opõe à proposta. E há também o temor de que, se sancionada, leis semelhantes sejam aprovadas por legislativos de outros estados da Amazônia Legal.
De acordo com magistrados de tribunais superiores consultados sobre esse caso, se sancionada a lei deve ser questionada tanto no Superior Tribunal de Justiça como no Supremo Tribunal Federal.
Mapeamento desconsiderado
Para professores da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e da Universidade do Estado do Mato Grosso (Unemat), o projeto de lei aprovado desconsidera mapeamentos oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e ignora metodologia científica nacional de classificação da vegetação brasileira, estabelecida no Mapa de Vegetação do Brasil. Essa metodologia é uma referência aprovada e adotada em todas as políticas ambientais e de gestão territorial do Brasil.
O professor Ben Hur Marimon Junior, da Unemat, avaliou que a redução na área de Reserva Legal de 80% para 35% coloca em risco 5.166.808 hectares de florestas no estado, que ficarão passíveis de desmatamento.
“Quando retiramos todas as áreas de proteção – Parque do Xingu, Parque do Ronuro e outros – e também as novas áreas de reserva legal de 35%, conforme a proposta, temos mais de cinco milhões de hectares ameaçados”, frisou.
Integrantes de entidades da sociedade civil organizada também se preparam para elaborar um documento técnico a ser endossado por parte da sociedade científica mato-grossense e organizações ambientalistas, de forma a ajuizar ação contra o texto, caso a lei seja sancionada pelo governador, no mesmo dia da sua publicação.
Entenda o caso
O projeto de lei complementar 18/2024 foi apresentado originalmente pelo Executivo estadual em maio do ano passado, para fazer um ajuste na escala de mapas utilizada como base pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente para operar o Cadastro Ambiental Rural (CAR).
Só que o projeto sofreu muitas alterações durante a tramitação que terminaram por incluir este item. O texto aprovado foi um substitutivo de autoria do deputado estadual Nininho (PSD), que deu nova redação às definições para áreas que seriam classificadas como floresta, pertencentes ao bioma Amazônia, e as que seriam enquadradas como Cerrado.
Assim, passam a ser chamadas “floresta” as áreas com predominância de vegetação com as médias de alturas totais a partir de 20 metros, e que apresentem indivíduos com alturas máximas entre 30 (trinta) e 50 (cinquenta) metros. Enquanto as áreas com predominância de indivíduos com a média das alturas totais até 20 metros passam a ser classificadas como cerrado.
Por meio de suas redes sociais, o deputado — que tem evitado falar com a imprensa — disse que a legislação proposta atende às exigências feitas pelo STF para identificação de biomas e que o projeto “não aumenta nem incentiva o desmatamento”.
O Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) divulgou uma nota pública em que pede ao governador o veto integral do texto e cita um estudo realizado pelo Observatório Socioambiental de Mato Grosso cuja constatação é de que a mudança “permitirá ampliação significativa do desmatamento no estado”. O Ipam classifica o projeto de lei como “retrocesso” e enfatiza que a perda de florestas acentua as mudanças climáticas.
“Estudos científicos já demonstraram que não é mais necessário derrubar nenhuma árvore para ter mais produtividade no campo. Em muitos casos, os ganhos podem dobrar ou até triplicar apenas restaurando áreas degradadas ou reutilizando pastos abandonados”, destaca o diretor-executivo do Ipam, André Guimarães. Tanto o governador como representantes da Secretaria de Meio Ambiente do Mato Grosso não se manifestaram sobre o tema.