Em abril de 1975, aos 16 anos, trabalhando na área administrativa de um pequeno jornal diário em Osasco, na Grande São Paulo, indaguei ao editor-chefe se daríamos a imagem que o Jornal Nacional mostrou na sua edição da véspera e que estampava as primeiras páginas dos nossos principais jornais. Era uma imagem poderosa, que sintetizava uma fuga, um certo alívio, uma perplexidade, uma retirada, uma derrota… tudo ao mesmo tempo.
A foto que ganhou o mundo mostrava um helicóptero dos EUA tentando retirar civis da cobertura de um prédio, em Saigon, então capital do Vietnã do Sul. Era 29 de abril. No dia seguinte, 30, as tropas norte-vietnamitas entraram na cidade de carro- era a imagem da vitória e o fim da guerra sem sentido para os norte-americanos e plena de significado para aquele povo sofrido. Talvez a síntese perfeita do que foi a Guerra do Vietnã: a falta de sentido derrotada pelo pleno significado.
30 de abril de 2025. Passados 50 anos do fim da guerra, mais uma reflexão sobre a maior derrota militar dos Estados Unidos da América ganha as telas de nossos lares. A Netflix estreia nesta quarta-feira o documentário em série Ponto de Virada – A Guerra do Vietnã. Como destaca a plataforma de streaming, a nova série “lança um olhar sem filtros sobre um dos conflitos mais decisivos e controversos da história moderna, e o impacto profundo e duradouro que ele causou na identidade dos Estados Unidos perante o mundo e na vida de inúmeras pessoas.
Conflito decisivo
Seguindo os passos de Ponto de Virada: A Bomba e a Guerra Fria e Ponto de Virada: 11/9 e a Guerra contra o Terror, esta série documental de cinco episódios mostra uma guerra que foi mais do que apenas um fracasso militar. Tratou-se de um conflito decisivo para a política e para a cultura que reformulou os Estados Unidos, expôs rachas profundos no país e abalou a confiança no governo”.
Produzido pela Luminant, com direção de Brian Knappenberger, o documentário resulta do acesso inédito aos arquivos da CBS News e traz também “raras filmagens vietnamitas, registros públicos que perderam o caráter de confidencialidade e gravações jamais divulgadas da Casa Branca”. Segundo o diretor, a série “abrange quase duas décadas e três mandatos presidenciais, ampliando pontos de vista que costumam ser deixados de lado”.
O vietnamita comum
Três semanas antes da queda de Saigon, na 47ª Cerimônia do Oscar, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood premiou como Melhor Documentário o corajoso Corações e Mentes (Hearts and Minds) de Peter Davis, lançado em 1974. Em seu ensaio para a The Criterion Collection, o historiador Robert K. Brigham escreve que “uma das contribuições mais importantes de “Hearts and Minds, para o nosso diálogo nacional sobre a Guerra do Vietnã é a sua representação do vietnamita comum. Durante anos, os vietnamitas foram notavelmente ausentes em filmes e textos americanos. Quando apareciam, geralmente eram como personagens unidimensionais de uma história predeterminada. Líderes militares estridentes de Hanói falavam da correção de seu caminho para a revolução, enquanto os anticomunistas de Saigon eram sempre retratados como corruptos e covardes. O documentário de Peter Davis mudou tudo isso. Quando o filme estreou aqui em 1974, seu tratamento compassivo e complexo do vietnamita comum causou sensação. Devido à natureza do conflito, os formuladores de políticas geralmente reduziam os vietnamitas a alvos na guerra de atrito ou a aliados indignos, não a seres humanos. Davis ofereceu um novo olhar sobre os inimigos e os aliados dos Estados Unidos no Vietnã. Esse novo olhar era sofisticado em seu tratamento das dimensões humanas da guerra e do alto custo em sangue e dinheiro que todos os lados pagaram no Vietnã”.
É possível assistir Corações e Mentes no Youtube, em versão dublada. O link: https://www.youtube.com/watch?v=wRbEBqAV4XQ
E nas plataformas de streaming podemos ver ou rever como o cinema americano encarou o desafio de retratar o conflito. E com grande resultado artístico.
Em 1978 foram lançados dois ótimos filmes, premiados com o Oscar. Na Apple TV podemos ver O Franco Atirador, de Michael Cimino, que mostrou a guerra sob a perspectiva de seu impacto em um grupo de amigos do interior dos Estados Unidos que vai lutar no Vietnã. O filme ganhou Oscar de filme e direção.
No Prime Vídeo, temos Amargo Regresso, de Hal Ashby, que aborda a situação de veteranos e mutilados e ganhou Oscar de Melhor Atriz (Jane Fonda), Melhor Ator (Jon Voight) e Melhor Roteiro Original.
Oito anos depois, o diretor Oliver Stone, ele próprio um veterano do Vietnã, mostrou a guerra pelo ponto de vista dos soldados em Platoon que ganhou Oscar de Melhor Filme e Diretor e pode ser visto no MUBI.
Jeffis Carvalho é jornalista, roteirista e editor de Cinema do Estado da Arte, do Estadão.
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