Por Carolina Villela
O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou nesta quarta-feira (13) o julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 4245 e 7686, que questionam a aplicação da Convenção da Haia sobre os aspectos civis do sequestro internacional de crianças no Brasil. O ministro Luís Roberto Barroso, relator das duas ações, aceitou parcialmente os pedidos e propôs uma interpretação que amplia as exceções ao retorno imediato de crianças ao país de origem.
A proposta reconhece que situações de violência doméstica contra a mãe podem configurar risco grave à integridade física e psíquica da criança, mesmo quando o menor não é vítima direta das agressões, desde que existam indícios objetivos e concretos da situação de risco. O julgamento foi suspenso após a apresentação do voto do relator e será retomado na próxima semana.
Mudanças estruturais propostas para agilizar processos
Além da interpretação sobre violência doméstica, o voto do relator estabelece uma série de medidas administrativas para aprimorar o sistema judiciário brasileiro na tramitação desses casos complexos. Entre elas:
a – a criação pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de um grupo de trabalho especializado com prazo de 60 dias para elaborar proposta de resolução que agilize a tramitação das ações de restituição internacional de crianças e assegurar que a decisão final sobre o retorno seja tomada em prazo não superior a um ano;
b – os Tribunais Regionais Federais devem editar atos normativos para concentrar a competência desses processos em varas especializadas da capital e turmas específicas;
d- instituição de núcleos de apoio especializado nos Tribunais Regionais Federais para incentivar a conciliação e adoção de práticas e metodologias restaurativas e atuar como instância de apoio técnico e metodológico ao magistrado;
e- os órgãos do Poder Judiciário devem ajustar junto ao CNJ os sistemas de processos eletrônicos para que todos os casos relacionados à Convenção da Haia recebam selo de tramitação preferencial.
f- determinar ao Poder executivo a adoção de medidas estruturais e administrativas para fortalecer a atuação da autoridade central e determinar ao Poder executivo que avalie a conveniência da adesão à Convenção da Haia.
Questionamentos partidários sobre aplicação do tratado
As ações analisadas pelos ministros foram propostas por dois partidos. O Democratas, atual União Brasil, contesta através da ADI 4245 os decretos que ratificaram a adesão do Brasil ao tratado internacional, alegando que interpretações equivocadas têm sido aplicadas aos procedimentos de retorno de menores.
O partido argumenta que o tratado tem sido mal interpretado especificamente quanto aos procedimentos para garantir o retorno de crianças levadas de seus países de origem sem o consentimento de um ou ambos os genitores. A preocupação central manifestada é com a proteção adequada de menores que podem estar em situação de vulnerabilidade durante este processo.
Por sua vez, o PSOL, através da ADI 7686, busca uma interpretação específica e mais restritiva da Convenção da Haia. O partido pretende impedir que crianças trazidas ao Brasil por um dos pais, sem autorização do outro genitor, sejam obrigadas a retornar ao exterior quando houver suspeita fundada de violência doméstica, mesmo que os menores não sejam vítimas diretas das agressões.
Complexidade internacional e proteção de direitos fundamentais
A Convenção da Haia de 1980 sobre os aspectos civis do sequestro internacional de crianças é um instrumento internacional que visa proteger menores dos efeitos prejudiciais de sua mudança ou retenção ilícitas através das fronteiras nacionais. O Brasil aderiu ao tratado buscando criar mecanismos eficazes para o retorno rápido de crianças ao seu país de residência habitual.
Contudo, a aplicação prática deste instrumento internacional tem gerado controvérsias, especialmente em casos onde o retorno da criança pode colocá-la em situação de risco. O artigo 13-1b da Convenção prevê exceções ao retorno imediato quando existe risco grave à integridade física ou psíquica da criança, ou quando sua devolução a colocaria em situação intolerável.
A interpretação proposta pelo ministro Barroso amplia esta exceção, reconhecendo que situações de violência doméstica contra a mãe podem configurar risco indireto, mas real, para a criança.