Por Carolina Villela
O Supremo Tribunal Federal (STF) voltou a julgar mais um recurso do ex-jogador Robinho contra a decisão da Corte que manteve a sua prisão no Brasil pelo crime de estupro coletivo (violência sexual de grupo) cometido na Itália, em 2013. O relator do habeas corpus (HC) 239162, ministro Luiz Fux, negou os embargos de declaração apresentados pela defesa do ex-atacante, sendo acompanhado pelo ministro Alexandre de Moraes.
O ministro Gilmar Mendes, que foi vencido no julgamento e havia pedido vista em março deste ano, divergiu e votou novamente pela soltura de Robinho. A análise do caso se estende até o dia 29 de agosto.
Fundamentação técnica do relator
Ao rejeitar o recurso, o ministro Fux afirmou que os embargos de declaração só são cabíveis quando há ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão na decisão. O relator enfatizou que a jurisprudência do STF impede a rediscussão de matéria já julgada pelo plenário por meio deste instrumento processual.
A defesa de Robinho argumentava que não houve manifestação sobre a irretroatividade do artigo 100 da Lei de Migração no voto divergente do ministro Gilmar Mendes. Os advogados sustentam que aplicar a Lei 13.445/2017 a fatos criminosos ocorridos antes de sua vigência violaria a cláusula constitucional da irretroatividade da lei penal em prejuízo do acusado.
No entanto, Fux rebateu essa argumentação lembrando que o plenário já afastou expressamente o princípio da irretroatividade no caso, considerando-o inaplicável. O ministro ressaltou que o acórdão está em consonância com a jurisprudência do STF sobre a aplicação imediata de normas que regem o local de execução da pena.
Natureza da norma em discussão
O relator esclareceu que o instrumento de cooperação internacional para transferência de execução de pena não possui natureza penal material. Segundo Fux, a norma não incide sobre aspectos como prescrição, extinção da punibilidade, tempo de pena, regime de cumprimento ou requisitos para benefícios da execução penal.
“Trata-se de norma que prevê a possibilidade de cumprimento de pena em local distinto daquele em que foi proferida a condenação”, explicou o ministro. Ele comparou a situação com a Lei 11.671/2008, que permite a transferência de presos para estabelecimentos penais federais de segurança máxima, aplicável mesmo a condenados por crimes anteriores à sua edição.
A ausência de conteúdo penal material na norma, segundo o relator, afasta a aplicação do princípio da irretroatividade previsto no artigo 5º, inciso XL, da Constituição. Em seu lugar, aplica-se o princípio da imediatidade, válido para todos os apenados que se enquadrem nas disposições legais, independentemente de a norma ser considerada benéfica ou prejudicial.
Condenado por sentença estrangeira não pode ser preso antes de homologação definitiva
Ao divergir do relator, o ministro Gilmar Mendes acolheu o recurso para adotar a inaplicabilidade do art. 100 da Lei de Migração ao caso concreto e, por consequência, conceder o habeas corpus para a imediata soltura de Robinho. Segundo ele, a questão não foi suficientemente debatida no acórdão embargado, caracterizando omissão, devendo ser acolhido o embargo de declaração.
Mendes também determinou a cassação da decisão proferida pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) por entender que réus condenados por sentenças estrangeiras não podem ser presos imediatamente após a homologação pelo STJ, sendo necessário aguardar o trânsito em julgado da decisão.
Princípio da presunção de inocência prevalece
O ministro argumentou que o princípio constitucional da presunção de inocência, estabelecido no artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal, segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, deve ser aplicado também às sentenças estrangeiras homologadas no Brasil.
Segundo o entendimento de Gilmar Mendes, antes da homologação definitiva, a sentença estrangeira constitui “mero fato jurídico” no ordenamento brasileiro, não possuindo eficácia executória. Somente após a homologação pelo STJ é que a decisão estrangeira adquire força de título executivo no território nacional.
O magistrado ressaltou que a jurisprudência do STF já estabeleceu que não cabe execução de pena decorrente de decisão ainda não definitiva, princípio que deve ser mantido para preservar a integridade do sistema jurídico brasileiro.
Histórico do caso
Robinho foi condenado pela Justiça italiana a nove anos de prisão por estupro coletivo contra uma mulher albanesa em uma boate de Milão, em 2013. O processo teve início em 2017 e transitou em julgado em 2022, quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ) autorizou o cumprimento da pena no Brasil.
O ex-jogador está preso desde março de 2024 no Presídio de Tremembé, em São Paulo, por determinação do STJ. Em novembro do ano passado, o STF já havia rejeitado pedidos anteriores de liberdade apresentados pela defesa.
No habeas corpus em julgamento, a defesa do ex-jogador argumenta que não pode ser aplicada ao caso a Lei de Migração, que entrou em vigor em 2017, quatro anos após o crime.