Por Hylda Cavalcanti
Desde que entrou em vigor a Lei que protege os filhos de vítimas de feminicídio com pensão especial enquanto forem menores de idade, não adianta argumentação de que a legislação ainda precisa ser regulamentada. Os magistrados têm concedido, em várias varas do país, a autorização para que essas crianças e adolescentes possam ter o direito garantido.
Recentemente, quatro irmãos — dois pré-adolescentes do sexo feminino, um menor de 17 anos e uma menina de 10 anos — todos filhos de uma vítima de feminicídio no Rio Grande do Sul, receberam da Justiça Federal o direito em razão da morte da mãe, após terem tido o pedido de pensão rejeitado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
A decisão foi tomada pelo juiz Wyktor Lucas Meira, da 1ª Vara Federal do município de Cruz Alta (RS). Conforme informações do processo, a mãe dos autores da ação foi morta pelo companheiro em 2015.
Pedido negado pelo INSS
A referida legislação, sancionada em 2023, institui uma pensão especial e temporária, no valor de um salário mínimo, para filhos e dependentes menores de 18 anos que perderam a mãe em decorrência do crime de feminicídio.
O pedido administrativo, requerido em novembro de 2024, foi negado pelo INSS com o argumento de que, devido à falta de regulamentação da lei, “não se sabe, até o momento, como se dará a operacionalização do benefício, tampouco há algum indicativo de que o Instituto é que pagará ou administrará essa pensão especial, ou se tal atribuição será da União”.
Procuradores do INSS destacaram, também, em suas alegações, que “conquanto jurídica e socialmente relevante seja a situação do filho que perde a genitora em razão de feminicídio, não se está diante de fato gerador para fins previdenciários”.
Pensão prevista na lei
Mas ao avaliar o caso, o magistrado responsável pela decisão afirmou que a Lei n.º 14.717/23 criou a pensão especial aos filhos e dependentes menores de 18 anos, órfãos em razão do crime de feminicídio, cuja renda familiar mensal per capita seja igual ou inferior a ¼ do salário mínimo.
A idade, acrescentou ele, conforme a norma é aferida no momento do óbito da mãe e a concessão não depende do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
O juiz ainda ressaltou que, se os filhos receberem pensão por morte previdenciária, não é devida a pensão especial. Além disso, o artigo 3° da legislação deixa clara a natureza de assistência social da pensão
Legislação minuciosa
Wyktor Lucas Meira explicou que a Lei nº 14.717/2023 desceu às minúcias do benefício. “Estabelece os requisitos a serem comprovados, afasta a exigência da condenação penal definitiva para autorização do benefício, elenca as hipóteses de cessação e a reversão da cota em prol dos demais dependentes menores de 18 anos”, frisou.
“Também estabelece a irrepetibilidade das prestações pagas se não for reconhecido o feminicídio ao final da ação penal e estende a proteção aos filhos e filhas de mães assassinadas”, acrescentou.
Por isso, segundo ele, “detalhamentos na futura regulamentação da lei certamente irão qualificar o trabalho da administração na análise do benefício, mas não impedem o imediato reconhecimento, na via judicial, do direito emanado diretamente da lei em si”.
Feminicídio comprovado
Em relação ao caso específico, o juiz afirmou que para a comprovação da existência do crime, foi juntado aos autos o processo criminal, que já foi sentenciado. O que comprovou o óbito da mãe dos menores decorrente de feminicídio.
E quanto ao requisito socioeconômico, verificou-se que a menina possui um núcleo familiar e outros dois irmãos estão em outro grupo. Ambos não possuem renda declarada. Já o irmão de 13 anos está em outro núcleo familiar com renda mensal per capita que ultrapassa o patamar estipulado na lei desde julho deste ano.
Diante disso, o magistrado julgou parcialmente procedente a ação determinando a concessão da pensão especial para os quatro irmãos a partir de novembro de 2024. O término do recebimento do benefício para menino de 13 anos, entretanto, é julho de 2025 e para os outros três, até completarem 18 anos. O caso ainda é passível de recurso por parte das Turmas Recursais.
— Com informações da Justiça Federal do Rio Grande do Sul e do TRF 4