Por Hylda Cavalcanti
O Dia dos Namorados chegou e com ele, as homenagens de praxe, encontros, declarações de amor e celebrações entre os casais. Tudo lindo e maravilhoso no momento em que começam as grandes paixões. Só que elas podem passar, deixando um rastro de conflitos e desarmonia onde antes havia apenas amor e acolhimento. E seja lá a fase da relação em que isso ocorre, há sempre grandes problemas no campo do Direito Civil — mesmo quando os pombinhos ainda estão tratando de se conhecer.
Não estamos falando sobre casamentos ou uniões estáveis formalizadas, que levam a divórcios (litigiosos ou não). O assunto aqui é a separação de casais de namorados — namorados de vida inteira ou relacionamentos de pouco tempo, tanto de parceiros que vivam em casas separadas, como com os que dormem juntos todas as noites.
O conjunto de questões judiciais suscitadas pelo tema é extenso. Você já ouviu falar, por exemplo, de estelionato sentimental? Sim! É quando uma das partes se sente enganada e alega ter sido explorada financeiramente pelo parceiro ou parceira.
Ex-casais que nunca foram além do namoro, mas convivem há muito tempo, também procuram o Judiciário quando o caldo entorna. Há casos, por exemplo, de casais que empacaram na fase do namoro por mais de dez anos. Quando a paixão esvanece e um deles descobre que foi usado pelo outro, vai pedir na Justiça algum tipo de reparação ao ex-amado ou amada que desafortunadamente resolveu ir embora por se apaixonar por outra pessoa – ou porque simplesmente quis pôr um fim na história.
Também há os pets — os filhos dos casais sem filhos (e sem casamento). Buscar mediação judicial para arbitrar a guarda compartilhada do bichinho comprado no auge do idílio está se tornando lugar-comum entre os pontos finais de um namoro malsucedido. Sim, porque namorados costumam fazer planos juntos e não raro compram carro juntos, fazem negócios juntos e criam animais juntos.
Há, ainda, casos complexos, de pessoas casadas que mantém em paralelo namoros por anos com alguém solteiro, sem que o amante incidental saiba. Nesse tipo de situação, quando se descobre, há como ajuizar algum tipo de ação?
E os novíssimos trisais, como se enquadram numa legislação que não vai além da monogamia?
O que a Justiça oferece de consolo a quem se julga prejudicado pelo namorado ou namorada
Essas novas conformações de casais e os novos hábitos de relacionamento são um verdadeiro desafio ao judiciário. A cada inovação jurisprudencial há uma onda de clamor entre as pessoas.
De tempos em tempos, a Justiça se defronta com situações-limite para uma sociedade cada dia mais polarizada. Não é preciso ir muito longe: basta lembrar das batalhas que antecederam fixação de posições sobre temas como casamento homoafetivo, implante de embriões e o direito ao aborto legal. Com a judicialização de relações de namoro não é diferente.
Estelionato sentimental
No caso do estelionato sentimental, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou recentemente jurisprudência sobre o tema. No julgamento do Recurso Especial (Resp) Nº 2.208.310, a Corte decidiu que um homem tem obrigação de indenizar a ex-namorada por conta de episódio assim configurado.
O Tribunal reconheceu que a prática é caracterizada pela simulação de uma relação amorosa com o objetivo de obter ganho financeiro. Motivo pelo qual gera o dever de pagamento de indenização por danos materiais e morais.
No julgamento que consolidou esse entendimento, a 4ª Turma da Corte negou provimento a recurso especial interposto por um homem, condenado em segunda instância por ter iludido amorosamente sua ex-companheira em busca de vantagens patrimoniais.
A vítima é uma viúva 12 anos mais velha que ele. Ela fez, ao longo do período em que estiveram juntos, cerca de R$ 40 mil em empréstimos para ajudá-lo financeiramente. Em 2019, após negar mais um pedido de dinheiro, o réu acabou tudo e a relação entre eles passou a ser litigiosa.
Principais características
A Justiça de São Paulo condenou o homem a pagar R$ 40 mil a título de danos materiais, além de R$ 15 mil por danos morais. Ele argumentou que não cometeu qualquer ato ilícito e negou a existência de danos materiais ou morais.
Mas para a relatora do recurso no STJ, a ministra Isabel Gallotti, foram identificados no episódio as principais características de estelionato sentimental. São estes: a existência de vantagem ilícita para uma das partes, emprego de artifícios ou meios fraudulentos e induzimento da vítima ao erro.
“Note-se que, diante desse cenário, ainda que o pagamento de despesas pela recorrida tenha ocorrido espontaneamente, sem nenhuma coação, isto não afasta, no caso, a prática de ato ilícito, até porque, o que caracteriza o estelionato é, exatamente, o fato de que a vítima não age coagida, mas de forma iludida, acreditando em algo que não existe”, afirmou a magistrada.
Contrato de namoro, a nova panaceia entre youtubers e jogadores de futebol
Muita gente tem tentado evitar problemas maiores numa relação com o chamado contrato de namoro. É verdade que não é nada romântico, mas pode ser bem eficiente para evitar problemas futuros. Trata-se de um acordo formalizado perante um notário para proteger o patrimônio de um dos namorados — ou de ambos, embora o conjunto de obrigações tenha sido ampliado cada vez mais, muitas vezes incluindo obrigações sexuais e outras regras de comportamento.
O objetivo desse contrato, conforme explicou a advogada Jéssica Magalhães, especializada em Direito Civil, não é firmar um compromisso, mas fazer com que duas pessoas que estão se conhecendo e podem ou não vir a unir posteriormente se resguardem patrimonialmente.
Nesses casos podem ser incluídas cláusulas insólitas como “com quem ficará o cachorro comprado pelos dois”, “como será a divisão de automóvel comprado por ambos”, por exemplo.
O números dessa modalidade de contrato ainda são modestos no Brasil – cerca de mil em dez anos. Mas, de acordo com os cartórios, vêm crescendo de maneira consistente e, por esta razão, tal modalidade gera cada vez mais interesse.
Nesta série de reportagens, você vai conhecer melhor esse instrumento, saber do que ele é capaz e em que situações se aplica. Portanto, fique à vontade a boa leitura!