Advogados trabalhistas ouvidos pelo Portal HJur sobre a decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, de determinar a paralisação de todos os processos sobre o tema pejotização, alertam para a necessidade desse julgamento no STF acontecer o mais rapidamente possível, sob o risco de prejudicar milhares de jurisdicionados.
Mendes tomou a iniciativa para que a questão seja julgada por meio do sistema de repercussão geral —quando o entendimento a ser definido passará a valer para todas as ações referentes ao tema em tramitação no país.
O problema, de acordo com advogados, acadêmicos e técnicos de tribunais superiores, é que na Justiça trabalhista a maior parte das ações ajuizadas tratam de várias questões ao mesmo tempo.
Desde horas extras a indenizações, incluindo pedido de trabalhadores que prestam determinado serviço como pessoa jurídica e querem ter a situação revertida para uma outra forma de contratação via Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com as devidas indenizações retroativas.
Riscos da demora
Dessa forma, quando um tema que consta na ação tem tramitação paralisada, tudo para. E o processo não pode chegar ao julgamento final até a divergência ser definida.
”A Justiça trabalhista poderá parar, o que atrapalha diretamente os jurisdicionados, os operadores do Direito e os tribunais”, afirmou o advogado trabalhista Gabriel Cunha Rodrigues.
Para ele, é importante uma tese vir a ser definida, porque existe, de fato, dicotomia entre o STF e o Tribunal Superior do Trabalho em relação à questão.
“O problema é que existe uma similaridade grave entre o prestador de serviços e o celetista. A diferença é que em um caso há um contrato de natureza civil e no outro um contrato trabalhista”, destacou.
Rodrigues contou que recentemente participou de um julgamento no TST que abordou o assunto. E, durante a sessão, uma magistrada afirmou que enquanto não houver nova legislação ou tese a respeito, continuará aplicando nas suas decisões o artigo 3º da CLT — que destaca que quando preenchidos os requisitos referentes a vínculo para o trabalhador, esse vínculo deve vir a ser reconhecido.
Como os dados existentes são de ações que não abordam a pejotização especificamente, a expectativa no mundo jurídico é de que existam cerca de 350 mil ações trabalhistas que tratam desse tema em tramitação no país.
“A questão é de extrema relevância, não podemos deixar todos os esforços que têm sido feitos para agilizar julgamentos caírem por terra e a paralisação assoberbar a Justiça do Trabalho”, enfatizou o advogado e professor de Direito Davi Albuquerque.
O advogado Maurício Corrêa da Veiga foi outro que demonstrou preocupação com a paralisação dos processos. De acordo com ele, é conhecida a quantidade de reclamações em tramitação no STF que tratam da questão do vínculo de emprego, bem como a relutância de determinados tribunais regionais em cumprir o comando da Corte Suprema.
“Em nosso escritório tivemos um caso em que a reclamação trabalhista foi julgada improcedente pelo ministro Zanin e o TRT da 4° Região se recusou a cumprir a decisão e manteve o vínculo de emprego”, relatou.
O advogado frisou que a competência para avaliar a existência de fraude na contratação ou a existência de uma relação de trabalho, diferente da de emprego, jamais pode ser afastada da Justiça do Trabalho. Porém, tal análise deve ser feita com base no sistema jurídico e não apenas na CLT.
“Paralisar milhares de processos neste momento é ruim para todos. A Justiça do Trabalho passou décadas atribuíndo o ônus da prova da licitude da relação aos tomadores de serviço, mas afastava a validade do contrato escrito sob o singelo argumento de que a regra é o emprego, a exceção a prestação de serviços. Há sete anos o STF diz o contrário, mas a Justiça Trabalhista não se curva. Essa reação do STF é ruim, mas já era esperada”, avaliou o especialista.
Ações no STF
Outros operadores do Direito foram uníssonos em admitir que o que levou o ministro Gilmar Mendes a submeter o tema ao rito dos recursos repetitivos foi o grande número de recursos que têm chegado ao STF recorrendo de decisões do TST sobre a questão.
Citaram trecho da decisão de Mendes, que enfatizou que em 2024 foram distribuídas mais de 7,3 mil reclamações a todos os ministros do STF, das quais 4,4 mil reclamações foram classificadas nas categorias “Direito do Trabalho” e “Direito Processual Civil e do Trabalho”. Destas, cerca de 2,2 mil ações tratam de pejotização.
De um modo geral, advogados e analistas judiciários lembraram que o assunto já vinha sendo discutido desde a posse do ministro Flávio Dino no Supremo, no ano passado. Isto porque o ministro, logo no início da sua atuação no Tribunal, chamou a atenção para o fato de que o colegiado fixou definições sobre terceirização e flexibilização das relações de trabalho, mas não sobre a pejotização.
E Dino afirmou que este era “um desafio que o STF precisava enfrentar, o que incentivou a discussão do assunto entre os demais ministros”.
No TST, o presidente, ministro Aloysio Corrêa da Veiga avisou que não falará sobre o caso e que não comenta decisões de outros ministros. Mas em entrevista exclusiva concedida na última semana ao HJur, antes da decisão do ministro Gilmar Mendes, Corrêa da Veiga reforçou a importância de a Justiça Trabalhista julgar temas referentes às relações de trabalho.
O ministro afirmou que quem tem que julgar as questões relacionadas ao Direito do Trabalho é a Justiça do Trabalho.
“Trabalho não é só a CLT. Trabalho é trabalho, nas mais diversas formas de prestação e atividades. Somos nós que precisamos decidir sobre esses temas”, enfatizou.
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