Por Carolina Villela
O Procurador-geral da República apresentou nesta segunda-feira (2) sua sustentação oral no julgamento sobre tentativa de golpe de Estado no Brasil. O órgão defendeu que a democracia precisa de “efetivos meios para se contrapor a atos orientados à sua decomposição belicosa” e argumentou que a impunidade “recrudesce ímpetos de autoritarismo”.
Durante a apresentação, o PGR destacou que os atos descritos na denúncia não podem ser tratados como “devaneios utópicos anódinos” ou “aventuras inconsideradas”. O Procurador-geral afirmou que “o que está em julgamento são atos que hão de ser considerados graves enquanto quisermos manter a vivência de um Estado democrático de Direito”.
Organização criminosa e plano sistemático
A acusação detalhou a estruturação de organização criminosa entre meados de 2021 e início de 2023. Segundo o PGR, o grupo foi “liderado por Jair Messias Bolsonaro e composto por figuras-chave do governo, das Forças Armadas e de órgãos de inteligência”.
O órgão ministerial destacou que a denúncia “não se baseou em conjecturas ou suposições frágeis”. A sustentação mencionou que “os próprios integrantes da organização criminosa fizeram questão de documentar quase todas as fases da empreitada”.
Entre os documentos citados estão a denominada “Operação 142”, encontrada em pasta intitulada “memórias importantes”, e o plano “Punhal Verde Amarelo”. Este último previa “prisão e eliminação do Ministro do Supremo Tribunal Federal que presidia o Tribunal Superior Eleitoral, bem como dos candidatos eleitos à Presidência e à Vice-Presidência da República”.
Uso da máquina pública e violência
O PGR descreveu como a organização utilizou estruturas estatais para seus fins. A Polícia Rodoviária Federal, sob comando de Silvinei Vasques, teria sido usada para “obstruir o funcionamento do sistema eleitoral” e “dificultar a participação de eleitores que fossem presumidos contrários ao então Presidente”.
O órgão também destacou a instrumentalização da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) para “espionar, sem autorização judicial, adversários políticos”. Segundo a sustentação, Alexandre Ramagem, então Diretor-geral da agência, “dispunha de uma sala própria no Palácio do Planalto”.
Sobre a violência, o PGR argumentou que ela “permeou os acontecimentos” de várias formas. Mencionou desde “discursos do ex-Presidente da República” até “práticas de atos propiciadores da truculência real”, culminando nos eventos de 8 de janeiro de 2023.
Tentativa de cooptação das Forças Armadas
A sustentação detalhou reuniões em que minutas de decretos golpistas foram apresentadas aos comandantes militares. “O Presidente da República, comandante maior das Forças Armadas, reuniu os mais altos militares das três Forças para dar-lhes a conhecer dos seus planos”, afirmou o PGR.
O Procurador-geral enfatizou que “o comandante da Marinha chegou a assentir ao convite para a intervenção no processo constitucional de sucessão no Executivo”. Já os comandantes do Exército e da Aeronáutica “se afastaram das etapas decisivas do levante”, mantendo “as Forças Armadas fiéis à vocação democrática”.
O PGR concluiu que “o golpe tentado não se consumou pela fidelidade do Exército – não obstante o desvirtuamento de alguns dos seus integrantes – e da Aeronáutica à força normativa da Constituição democrática”.
Colaboração premiada e provas
A sustentação reafirmou a validade do acordo de colaboração premiada celebrado por Mauro Cid. Segundo Paulo Gonet, “os relatos de Mauro Cid foram úteis para o esclarecimento dos fatos”, embora “a Polícia Federal tenha descoberto a maior parte dos eventos descritos na denúncia de forma independente”.
O órgão ministerial destacou que as provas incluem “testemunhos e documentos” e que “vistas no contexto em que se inserem são bastantes para firmar a convicção segura das práticas repudiadas pela legislação penal”.