Texto em discussão na Câmara é criticado por desorganizar sistema de recuperação de bens, ameaçar fundos federais e gerar insegurança jurídica
O Projeto de Lei Antifacção, relatado pelo deputado federal Guilherme Derrite (PP-SP), enfrenta forte resistência dentro do governo federal, que alerta para retrocessos legais e institucionais caso o texto vá a votação no plenário da Câmara dos Deputados nesta terça-feira (18). O Ministério da Justiça e Segurança Pública e a Secretaria de Relações Institucionais apontam riscos à estrutura nacional de combate ao crime organizado e à segurança jurídica de juízes e promotores.
Segundo a secretária nacional de Políticas sobre Drogas, Marta Machado, o parecer apresentado por Derrite pode causar um “enorme curto-circuito” no atual sistema de recuperação de ativos oriundos do crime, em vigor desde 2019. A preocupação foi reforçada pela ministra Gleisi Hoffmann, que se reuniu com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), na noite de segunda-feira (17) para discutir o impasse.
Modelo proposto gera confusão e insegurança
Atualmente, os bens apreendidos em investigações criminais são destinados a quatro fundos federais específicos, com base no tipo de crime cometido: Funad (antidrogas), Funapol (Polícia Federal), FNSP (segurança pública) e Funpen (sistema penitenciário). O relatório de Derrite propõe um modelo diferente, no qual os recursos seriam repartidos conforme a autoridade responsável pela investigação — favorecendo os Estados em detrimento da União.
O governo alega que o texto não revoga o modelo atual, o que criaria dois sistemas paralelos. “Isso cria um enorme curto-circuito. Ele [Derrite] simplesmente cria um outro modelo paralelo e aí os juízes, que já têm dificuldade de lidar com isso, vão dizer: ‘o que eu aplico?'”, questionou Marta Machado.
Outra mudança criticada é a exigência de que os bens só possam ir a leilão após o trânsito em julgado do processo, o que, segundo o MJSP, inviabiliza a alienação antecipada e pode levar ao abandono e deterioração dos ativos, como ocorria antes de 2019.
Governo quer retomar versão original
Após o encontro com Hugo Motta, Gleisi Hoffmann afirmou que não há acordo para votação imediata do texto. Segundo ela, o relator trabalha em uma quinta versão do parecer, e o governo buscará incluir observações em nova rodada de conversas com o Ministério da Justiça e o ministro Ricardo Lewandowski.
“Tem a questão do tipo penal facção criminosa, a questão do perdimento extraordinário, que pra gente é muito importante, a questão dos fundos federais da polícia. Vamos tentar influenciar ao máximo, pela importância que tem a matéria”, afirmou Gleisi.
A ministra também rejeitou a ideia de equiparar facções criminosas ao terrorismo, tema que pode ser incluído em destaques pela oposição. Segundo ela, a proposta seria prejudicial ao país e será debatida em plenário.
Lewandowski acusa Estados de inércia
O ministro Ricardo Lewandowski, titular da Justiça, também reforçou as críticas ao PL e subiu o tom contra os governadores. Em evento nesta segunda-feira, afirmou que os Estados “falharam redondamente” no enfrentamento ao crime organizado e agora tentam transferir a responsabilidade ao governo federal.
“A violência urbana não é papel da Polícia Federal nem da Polícia Rodoviária Federal”, afirmou. Segundo ele, o Executivo federal está disposto a enfrentar o problema, mas precisa de respaldo legislativo. “Tem que aprovar a PEC da Segurança, a Lei Antifacção, senão não tem condições de intervir”, defendeu.
Lewandowski também criticou a renomeação do PL por Hugo Motta para “Marco Legal de Combate ao Crime Organizado”, alegando falta de técnica legislativa. Ele classificou o texto de Derrite como ineficiente e prejudicial à estrutura da Polícia Federal, especialmente por concentrar os recursos de bens apreendidos em apenas um dos quatro fundos existentes.



