Por Hylda Cavalcanti
Há 19 anos foi sancionada a Lei 11.340/2006, Lei Maria da Penha, que representa um marco na legislação protetiva das mulheres contra a violência doméstica. Mas apesar dos avanços e do reconhecimento de tudo o que passou a ser instituído desde então, o número de vítimas por esse tipo de crime continua alto.
A legislação resultou de quase dez anos de visitas e reuniões por parte da bioquímica Maria da Penha Gomes, que deu nome à mesma, junto a deputados e senadores no Congresso, a audiências e seminários e até à Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Dados de 2024
Conforme o painel sobre violência contra a mulher, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foram registrados no ano passado 966.785 novos casos de violência doméstica na Justiça. E julgados 10.991 processos de feminicídio — o maior número desde 2020, quando se iniciaram os registros.
Como se não bastassem esses dados, pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o Instituto Datafolha, apontou que 37,5 % das mulheres brasileiras — percentual que significa 27,6 milhões de mulheres — afirmaram que sofreram pelo menos um tipo de violência (física, sexual ou psicológica) por parceiro íntimo.
E isso não foi em algum momento de suas vidas, mas entre fevereiro de 2024 e fevereiro deste ano. Em primeiro lugar foi citada a violência psicológica. Em segundo, a violência física e, em terceiro, a violência na forma de ameaças e stalking. Para completar, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública mais recente apontou que, em 2024, uma pessoa foi estuprada a cada seis minutos.
Varas especializadas
A legislação permitiu a implantação de várias políticas públicas sobre o tema, que levaram à criação de varas especializadas no Judiciário, comitês técnicos e maior número de programas para acesso das mulheres ao sistema de Justiça e a espaços de atendimento.
Mas a efetividade da legislação ainda está longe de ser o que se espera. Uma das questões diz respeito às medidas protetivas. O Anuário apontou que ao menos 121 das mortes nos últimos dois anos ocorreram quando a vítima estava sob medida protetiva de urgência.
E, das 555 mil medidas protetivas concedidas no ano passado (que foram 88% das solicitadas), pelo menos 101.656 foram descumpridas pelos agressores.
Grande desafio
Para a pesquisadora em Direito e Sociologia Isabella Matosinhos, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, as medidas protetivas de urgência permitem uma aplicação rápida e podem ser capazes de salvar vidas, mas não têm funcionado como se pretendia.
“As políticas públicas precisam passar a olhar para os casos em que ela é infringida, em que não dá conta de prevenir uma situação de violência e proteger uma mulher. Esse é o desafio: olhar para os casos em que a medida é ineficaz, afirmou a especialista, em entrevista à Agência Brasil.”
Complexidade das mulheres
De acordo com ela, o atendimento em rede, conforme prevê a lei, garantiria acolhimento de múltiplos setores para a mulher, tais como os serviços de saúde e assistência social, além da questão da segurança pública.
Outra pesquisadora, Amanda Lagreca, do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é da opinião que as políticas públicas precisam ser realizadas e implementadas considerando-se “a complexidade que envolve a realidade de mulheres brasileiras”.
“Isso importa porque as instituições devem implementar de fato essa lei. O poder público precisa pensar como a assistência social, a polícia e o próprio Sistema de Justiça estão implementando a legislação”, afirmou, na mesma entrevista.
Espaços de influência
Ambas lembraram que a lei promove um olhar completo para prevenção por intermédio de medidas possíveis, que vão desde a restrição de contato com a vítima à participação do agressor em grupos reflexivos. Porém, reclamaram de uma tendência observada nos últimos anos de enfrentar o problema aumentando as penas, em vez de avançar nas iniciativas diversas sugeridas.
“A Lei Maria da Penha nasceu de demandas da sociedade civil e é um marco ao enquadrar a violência contra a mulher como uma violação de direitos humanos”, disse Amanda. “Hoje uma luta da sociedade e do poder público é ocupar espaços de influência, como as escolas e outros ambientes educativos para ensinar aos meninos ou rapazes que a sociedade não tolera violência contra a mulher”, completou.
Com informações do CNJ e da Agência Brasil