Da redação
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta terça-feira (18) pela condenação de mais nove acusados de participar da tentativa de golpe de Estado arquitetada pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro em 2022. A maioria dos réus integrava o grupo conhecido como “kids pretos”, militares das forças especiais treinados para operações de alta complexidade. Segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), esse núcleo foi responsável pelo planejamento das “ações mais severas e violentas” da organização criminosa.
Entre os crimes imputados ao grupo estão o plano para assassinar autoridades – incluindo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o próprio ministro Alexandre de Moraes – além de ações coordenadas para pressionar o comando do Exército a aderir ao golpe, mantendo Bolsonaro no poder mesmo após a derrota nas urnas.
O julgamento do Núcleo 3, na (AP) 2696, conduzido pela Primeira Turma do STF, foi suspenso para o intervalo. O relator foi o único a votar pela manhã e logo na retomada do julgamento no período da tarde, o ministro Cristiano Zanin o acompanhou. Faltam os votos dos ministros Flávio Dino, presidente da Turma e da ministra Cármen Lúcia.
Sete réus respondem por cinco crimes contra o Estado Democrático
Moraes votou para condenar os coronéis do Exército Bernardo Romão Corrêa Netto e Fabrício Moreira de Bastos; os tenentes-coronéis Hélio Ferreira Lima, Rafael Martins de Oliveira, Rodrigo Bezerra de Azevedo e Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros; além do agente da Polícia Federal Wladimir Matos Soares. Todos por cinco crimes: por cinco crimes graves: tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
Durante seu voto, Moraes enfatizou que a organização criminosa pretendia criar um ambiente de caos social que justificasse uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), seguida pela imposição de um estado de exceção previsto em uma minuta golpista. “Está claro pelas provas dos autos que a intenção do réu era atuar com base em notícias falsas, desinformação sobre fraudes nas urnas eletrônicas de modo a corroborar a narrativa criminosa da organização criminosa”, afirmou o ministro ao analisar o caso do tenente-coronel Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros.
O relator destacou ainda que o núcleo dos “kids pretos” estava diretamente alinhado ao núcleo central da trama golpista, tendo como principal interlocutor o ex-ajudante de ordens da Presidência, Mauro Cid, que posteriormente se tornou delator do esquema. Segundo as investigações, esse alinhamento se manifestou em diversos atos voltados à ruptura institucional, incluindo o monitoramento ilegal de autoridades públicas.
Provas técnicas comprovam monitoramento de autoridades
Moraes demonstrou evidências técnicas robustas que corroboram as acusações. Dados de geolocalização dos telefones celulares dos réus comprovam que eles estiveram próximos à residência do ministro em Brasília e também nas imediações da sede do Supremo Tribunal Federal. “Existem fartas provas de que os réus Hélio Ferreira Lima e Rafael Martins de Oliveira participaram do ato executivo de monitoramento de autoridades, consumando os delitos imputados pela denúncia”, declarou o magistrado.
Outro elemento destacado pelo relator foi a tentativa de cooptação dos comandantes das Forças Armadas. Parte dos réus exerceu pressão sobre os líderes militares com o objetivo de influenciá-los a aderir ao plano golpista. “Não há, então, nenhuma dúvida, a instrução processual demonstrou que o núcleo crucial cooptou esses militares próximos ao colaborador Mauro Cid e forças especiais com o objetivo de apoio, execução ao intento golpista e ruptura constitucional. Não há nenhuma dúvida, as provas são fartas”, enfatizou Moraes.
A Polícia Federal reuniu documentos, mensagens e registros de movimentação que demonstram a participação ativa dos militares das forças especiais na articulação do golpe. As evidências revelam um planejamento meticuloso que envolvia não apenas a desestabilização institucional, mas também a eliminação física de autoridades que representassem obstáculos ao projeto golpista.
Operação Punhal Verde e Amarelo previa assassinato de autoridades
Um dos pontos mais graves destacados por Moraes foi o plano denominado “Punhal Verde e Amarelo”, que previa o assassinato de autoridades da República. Segundo o ministro, o plano só não foi consumado por circunstâncias alheias à vontade dos “kids pretos”, especialmente pela recusa do comandante do Exército em aderir ao golpe. “O plano previa farta munição perfurante de fuzil 762, 556, bombas, e fala nos possíveis alvos. A PF analisou as provas e está comprovado que houve esse planejamento e o ato executório. Só não se consumou por circunstâncias alheias à vontade. Não conseguiram a adesão do Comandante do Exército”, afirmou.
Em relação ao presidente Lula, o plano incluía duas estratégias de execução: envenenamento ou a administração de um medicamento que provocaria um colapso orgânico, aproveitando-se do histórico de saúde do presidente e suas visitas frequentes a hospitais. A PGR revelou ainda que o documento com o plano foi impresso no Palácio do Planalto e contou com o aval do então presidente Jair Bolsonaro, segundo as investigações.
O Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, ressaltou a gravidade das ações planejadas: “As investigações escancaram a disposição homicida e brutal da organização criminosa, que para isso se articulou e se lançou a providências executórias devidamente armadas. Os denunciados aderiram aos propósitos ilícitos da organização criminosa e contribuíram para os eventos penalmente relevantes em apreço”.
Condenações diferenciadas e primeira absolvição
Além das sete condenações pelos cinco crimes, Moraes propôs penalidades diferenciadas para outros dois militares. O tenente-coronel Ronald Ferreira de Araújo Jr. e o coronel Márcio Nunes de Resende Jr. devem ser condenados por incitação pública de animosidade das FA contra os poderes constitucionais e associação criminosa, delitos considerados menos graves no contexto da operação golpista.
Em uma decisão inédita nos julgamentos relacionados à trama golpista, o ministro votou pela absolvição do general da reserva Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira por falta de provas suficientes. Esta é a primeira vez que Alexandre de Moraes vota pela absolvição de um réu nesse processo, demonstrando que a análise técnica das evidências prevalece sobre qualquer presunção de culpa.
A expectativa é que os demais ministros apresentem seus votos aind no período da tarde desta terça-feira quanto ao mérito e em seguida, passem à votação da dosimetria da pena para cada um dos culpados.



