A cineasta Sandra Kogut decifra as tensões eleitorais de 2022

O filme de um Brasil muito tenso, escreve Jeffis Carvalho

Há 3 meses
Atualizado sexta-feira, 15 de agosto de 2025

A cineasta Sandra Kogut decifra as tensões eleitorais de 2022

No momento em que o Supremo Tribunal Federal se prepara para a etapa decisiva do julgamento dos réus denunciados pela Procuradoria Geral da República por tentativa de golpe de estado e abolição do Estado Democrático de Direito, estreia um documentário que busca recontar as tensões da eleição de 2022. Uma obra que pode nos ajudar a entender os eventos que desembocaram no 8 de janeiro de 2023.

Como todos sabemos, e vivemos, o  Brasil de 2022 foi um território minado. Entre urnas eletrônicas, quartéis cercados e famílias divididas pela polarização política, a diretora Sandra Kogut decidiu mergulhar de cabeça neste cenário explosivo, câmera em punho. O resultado é No Céu da Pátria Nesse Instante, documentário que estreia esta semana nos cinemas.

Já nos créditos iniciais, o filme revela a que veio: uma voz feminina não identificada dispara contra a realizadora: “Ser contra o Bolsonaro é ser contra o Brasil”, diz a mulher, recusando-se a participar do documentário. Afinal, ela suspeita que Kogut seja “de esquerda”. Este áudio, que em outras circunstâncias seria descartado na edição, torna-se a abertura emblemática de uma obra que transforma os obstáculos de produção em parte integrante da narrativa.

A cineasta, conhecida por sucessos como Mutum (2007) e Três Verões (2019), saiu às ruas para registrar o período mais tenso da democracia brasileira recente. Seu objetivo era claro desde o início: documentar um momento histórico crucial, independentemente do resultado eleitoral. “Eu pensava assim: aconteça o que acontecer, é muito importante, muito definidor, do que vem depois no nosso futuro”, explica Kogut.

Na tela, um país dividido

Diferentemente de uma cobertura jornalística tradicional, No Céu da Pátria Nesse Instante assume deliberadamente sua perspectiva autoral. Kogut rejeita a noção de neutralidade: “O filme é um olhar, um ponto de vista, logo, neutralidade não existe”. Esta postura transparente, longe de comprometer a obra, torna-se sua força motriz, permitindo uma aproximação humana com personagens de ambos os espectros políticos.

O documentário foca em cidadãos comuns, não em políticos profissionais. “Eu me interesso muito pelas pessoas que não estão no centro da tela, sob os holofotes”, revela a diretora. Entre os personagens centrais está um caminhoneiro paranaense, cujo diálogo final com Kogut simboliza o abismo comunicacional que divide o país. Ele observa que ambos parecem viver realidades distintas – uma constatação que a própria cineasta abraça como diagnóstico certeiro do momento brasileiro.

Roteiro em movimento

O roteiro de No Céu da Pátria Nesse Instante foi construído em tempo real, acompanhando os desdobramentos políticos à medida que ocorriam. Inicialmente, Kogut acreditava que tudo terminaria no primeiro turno. Após o segundo turno, encontrou-se filmando na frente de quartéis. A posse presidencial parecia ser o ponto final, mas os eventos de 8 de janeiro de 2023 estenderam a narrativa para além do previsto. “Este é o típico projeto que você precisa ficar repensando tudo o tempo todo porque ninguém sabia o que ia acontecer”, relata a cineasta. Esta incerteza estrutural, longe de ser um problema, tornou-se a própria essência do filme. Kogut descreve a sensação da época como “uma sucessão de instantes” tão intensos que as manchetes de uma semana apagavam as da anterior.

O título, extraído de um verso do Hino Nacional, surgiu desta percepção temporal fragmentada. “Eu pensava: ‘São instantes’ – e se existe alguma coisa em comum, é que todo mundo está sob o mesmo céu”, explica a diretora. Esta metáfora do céu compartilhado funciona como contraponto poético à divisão terrena documentada no filme.

Esteticamente, o documentário adota uma linguagem híbrida que combina observação direta com intervenção participativa. A própria presença de Kogut e sua equipe torna-se parte da narrativa, especialmente quando enfrentam resistências ou ameaças.  Por isso, o filme não se furta a mostrar momentos de tensão extrema vividos pela equipe. Em um episódio marcante, um fotógrafo infiltrado em acampamento bolsonarista em Brasília foi descoberto e forçado a engolir o cartão de memória da câmera para proteger o material filmado. Em outro momento, a equipe foi impedida de filmar em colégio eleitoral do Rio, em área controlada por milícias, apesar de possuir autorização oficial.

Kogut optou por incluir essas situações no corte final por entender que revelam “zonas cinzentas onde o Estado não pode exercer plenamente seu papel”, abrindo espaço para poderes paralelos. Esta escolha editorial demonstra como o documentário transcende o registro eleitoral para investigar as fissuras institucionais brasileiras. As imagens registradas pela equipe durante os cercos policiais têm, segundo Kogut, “valor histórico” por serem possivelmente as únicas captadas cinematograficamente daqueles momentos.

Além do registro documental, o filme funciona como espelho para a sociedade brasileira. Muitos espectadores vão reconhecer nas telas as divisões que vivenciam em suas próprias famílias – pais, tios, avós separados por abismos políticos. “Essa briga e separação está dentro da casa das pessoas”, observa a cineasta.

No Céu da Pátria Nesse Instante chega aos cinemas para nos ajudar a compreender não apenas o que foi o Brasil de 2022, mas o que continuamos sendo. Em tempos de algoritmos que nos encerram em bolhas informacionais, o documentário de Sandra Kogut oferece um exercício raro: o olhar respeitoso para o outro lado, sem abrir mão da própria convicção. Como ela própria define, “o caminho humano, das relações humanas – de enxergar as pessoas por trás daquilo” talvez seja a única forma de reconstruir algum terreno comum em um país que parece viver sob céus distintos, apesar de compartilhar o mesmo território.

O filme está em cartaz Belo Horizonte, Brasília, Fortaleza, Guaxupé, Maceió, Manaus, Niterói, Petrópolis, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo e Vitória.

Veja o trailer:

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