O meu Hitchcock preferido, escreve Jeffis Carvalho

Jeffis Carvalho Por Jeffis Carvalho
8 de agosto de 2025
no Direito à Arte
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O publicitário Roger Tornhill (Cary Grant) perseguido por um avião

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North by Northwest é o título original de Intriga Internacional, de Alfred Hitchcock. Literalmente norte por noroeste – ou seja, tomar uma posição por outra. Por isso mesmo, o título ideal para um filme cuja trama é um constante desenrolar de equívocos e o protagonista vive desorientado, à procura de um “norte” para compreender no que está envolvido.

Mas North by Northwest é muito mais do que uma trama bem urdida de espionagem como faz supor o título em português. Com ele, mestre Hitchcock dá o que se pode chamar de uma verdadeira aula de cinema. Para a maioria dos cinéfilos sua obra-prima é Janela Indiscreta. Para quase a totalidade da crítica é Um Corpo que Cai. Dois filmes que figuram, com certeza, em qualquer lista dos melhores filmes de todos os tempos, porque transcendem a trama para inserirem-se como obras que discutem o próprio cinema. Mesmo concordando, Intriga Internacional é o meu Hitchcock preferido.

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Uma síntese do mestre Hitch


A razão para essa escolha é simples: o filme é uma síntese da filmografia hitchcockiana, e se muitos mestres poderiam se perder e realizar uma pesada síntese de sua obra, esse é também o mais leve, o mais adorável filme de Hitchcock. Estão ali todos os elementos que fizeram de Hitch o mestre do suspense, ao mesmo tempo em que a narrativa flui como um delicioso filme de aventura, com humor e ação, em que até o vilão quase chega a ser adorável.

A trama traduz o princípio mais caro a Hitchcock: a troca de identidades, causada pelo acaso, por um incidente banal, envolvendo o protagonista numa gangorra de equívocos, deixando-o desorientado, sem bússola. O protagonista é um sujeito atraente, interessante, charmoso, bem-sucedido (e na pele de Cary Grant esses elementos se tornam quase míticos); com uma mãe igualmente charmosa, de bem com a vida e que em determinado momento se mostra até mesmo amoral. O personagem se vê, de repente, num redemoinho que põe por terra toda a sua segurança e que ameaça, mais do que sua vida, a sua maneira de viver. A heroína é a loira, como sempre um fetiche de Hitchcock. Se parece inocente no início, logo se mostra fatal, para no final se revelar uma mulher que no fundo só quer um homem que a ame; e aqui, diferentemente de todas as demais loiras hitchcockianas (Grace Kelly, Kim Novak, Vera Miles, Janet Leight, Tippi Hendren) é interpretada por uma grande atriz: Eva Marie Saint. E isso faz toda a diferença, porque a personagem é complexa, com camadas e matizes psicológicos que só uma grande atriz poderia representar.

Hitch sempre quis evitar os clichês, e em Intriga Internacional ele fez isso em cada seqüência, em cada fotograma. E para isso o roteiro de Ernest Lehman é simplesmente genial – nenhuma novidade já que Lehman foi um dos mais brilhantes roteiristas da história do cinema (é só ver os filmes A Noviça Rebelde e Embriaguez do Sucesso). E Lehman não só criou um roteiro enxuto, em que cada cena está no filme porque é essencial para a narrativa, como também escreveu os melhores diálogos (saborosos, dúbios, intrigantes, picantes às vezes) que um filme de Hitch já teve. E como o próprio cineasta confessaria depois, todo o filme foi pensado para se fugir aos clichês: se uma trama de espionagem pressupõe lugares escuros, claustrofóbicos e soturnos, cada cenário de Intriga Internacional é, ao contrário, grandioso, claro: o incidente banal acontece no bar requintado e amplo de um hotel; o primeiro equívoco de Grant se passa numa mansão luxuosa; o assassinato ocorre em pleno salão principal da sede das Nações Unidas (totalmente recriado em estúdio, já que a ONU não autorizou filmagens em suas instalações); o grande embate de Grant com o vilão de James Mason se dá num leilão numa grande galeria de arte – e aqui o roteiro usou a fuga do clichê como um elemento de solução dramática de tirar o fôlego: repare que o próprio ambiente/situação do leilão é que vai permitir a fuga de Grant; a primeira pista concreta para Grant entender o que se passa se dá numa pista de aeroporto, entre o barulho dos aviões taxiando; o falso assassinato se dá num amplo salão de uma estação de esqui; a seqüência final começa numa grande casa, projeto de genial arquiteto Frank Lloyd Wright, para atingir o ápice nas gigantescas esculturas de quatro presidentes americanos no Monte Rushmore, em Keystone, no estado de Dakota do Sul.

Mais do que tudo, há a inigualável seqüência de 10 minutos do mais puro cinema: o encontro de Grant com alguém que pode lhe esclarecer o que está ocorrendo e que se passa em campo aberto, numa estrada com um milharal ao lado, em na qual ele é atacado por um avião. Talvez a melhor seqüência filmada/montada de Hitch e sem dúvida uma das melhores do cinema em todos os tempos.

A tudo isso, soma-se o quarteto de excelência dos melhores filmes de Hitch: a fotografia é de Robert Burks, a montagem é de George Tomasini, a magistral trilha é do gênio Bernard Hermann e os créditos de abertura são do designer Saul Bass.

Em North by Northwest Hitch se supera: o carisma e o charme do monstro sagrado Cary Grant; o talento de dois grandes atores como Eva Marie Saint e James Mason; coadjuvantes de peso como Martin Landau e Leo G. Carrol; um roteiro brilhante; uma trama originalíssima; e a receita perfeita de suspense, humor, ação, aventura, e, claro, amor e erotismo. Sim, porque a cena final do filme é a mais bem acabada metáfora que Hitch conseguiu criar de uma relação sexual. Veja e confira!

O filme está disponível na Apple TV e no Prime Vídeo.

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  • Jeffis Carvalho
    Jeffis Carvalho

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Tags: Alfred HitchcockJeffis CarvalhoNorth by Northwest

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