Da Redação
Três organizações não governamentais entraram com uma ação na Justiça Federal de São Paulo pedindo que empresas de apostas online devolvam todo o dinheiro do Bolsa Família arrecadado desde novembro de 2024. O processo também solicita uma indenização de R$ 500 milhões por danos morais à sociedade, valor que deve ser destinado a projetos sociais escolhidos pelo Ministério da Justiça.
A ação foi movida pelas ONGs Educafro, Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cedeca) e Centro de Defesa dos Direitos Humanos Padre Ezequiel Ramin, ligada ao Padre Júlio Lancellotti. O processo surge após determinação do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), que em novembro obrigou o governo a tomar medidas para impedir o uso de recursos do programa social nas apostas online.
Críticas às empresas de apostas
As entidades argumentam que as empresas não adotaram medidas voluntárias para coibir o uso de recursos do Bolsa Família nem implementaram políticas efetivas de jogo responsável voltadas aos beneficiários de programas sociais. Segundo os advogados Márlon Reis, Rafael Estorilio, Paulo Mello e Matteus de Oliveira, que representam as ONGs, as operadoras fazem o contrário.
“Muitas dessas empresas direcionam estratégias agressivas de marketing e publicidade a públicos de baixa renda, oferecendo bônus, promoções e facilidades de pagamento que estimulam o comportamento de aposta, sem qualquer preocupação com a origem dos recursos ou com a vulnerabilidade socioeconômica dos apostadores”, afirmam os advogados no processo.
Ciclo de vulnerabilidade
O documento judicial destaca que o uso de recursos públicos em apostas por pessoas em situação de extrema vulnerabilidade representa mais que uma irregularidade financeira individual. “Cada novo ato de consumo de jogos por parte de pessoas em situação de extrema vulnerabilidade, com recursos públicos transferidos para sua subsistência, não configura apenas uma irregularidade financeira individualizada, mas sim uma renovação da lesão coletiva e uma perpetuação do ciclo de miséria, ludopatia e exclusão social”, diz o processo.
As ONGs defendem que a situação configura um ciclo vicioso que agrava a condição de pobreza dos beneficiários do programa social, uma vez que recursos destinados à subsistência básica são desviados para jogos de azar.
Contexto da decisão
Em 12 de novembro de 2024, o ministro Luiz Fux do Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu uma decisão liminar determinando que o governo federal adote medidas imediatas para impedir o uso de recursos do Bolsa Família e outros programas sociais em apostas online. A decisão também determinou a aplicação imediata das regras previstas na Portaria 1.231/2024 do Ministério da Fazenda, que veda a publicidade de sites de apostas voltada a crianças e adolescentes, antecipando normas que só entrariam em vigor em janeiro de 2025.
A decisão foi confirmada por unanimidade pelo plenário do STF em 14 de novembro de 2024, representando uma medida de proteção especial para populações vulneráveis. No entanto, a implementação prática tem enfrentado obstáculos significativos.
A Advocacia-Geral da União (AGU) informou posteriormente ao STF que há “barreiras de ordem prática de difícil superação” para impedir o uso de benefícios sociais em apostas, principalmente devido à dificuldade de identificar recursos provenientes dos benefícios e dinheiro de outras fontes de renda que estão nas contas dos beneficiários. O ministro justificou a urgência da medida afirmando que o perigo de demora “deve ser afastado de imediato, sob pena de a inaplicação de normas já editadas, até janeiro de 2025, agravar o já crítico quadro atual”