Por Hylda Cavalcanti
Programada para ser realizada nesta quarta-feira (13/08) de forma calma e até rápida pelo Senado, a sabatina dos indicados para serem os próximos ministros de Tribunais superiores terminou provocando polêmica justo pelo nome com menos previsão de incomodar os parlamentares: o da advogada Verônica Abdalla Sterman para o Superior Tribunal Militar (STM).
Ela foi criticada pelo senador Carlos Portinho (PL-RJ) de forma ríspida e acusada de ter mentido ao afirmar que possui mestrado, porque não concluiu o trabalho final. Portinho também afirmou que Verônica não deveria ter seu nome aprovado por não ter “proximidade com a Justiça militar” ao longo da sua trajetória.
Situação inesperada
Ninguém esperava a maneira como o senador se dirigiu a Verônica, que resultou em vários pedidos de desculpas por parte dos senadores. Em primeiro lugar, porque se trata de uma advogada criminalista com trajetória de trabalho reconhecido. Em segundo lugar porque na abertura da sua apresentação, na qual falou da sua vida e citou seu currículo, ela própria disse que tinha cursado o mestrado, mas não o tinha concluído.
Verônica explicou que não chegou a fazer a defesa da tese porque teve, na época, uma gravidez de risco e o pai estava com câncer terminal. Mesmo assim, Carlos Portinho não perdoou.
“Não tenho nada contra a senhora como pessoa e também sei que para o cargo de ministro do STM não é necessário ter mestrado. Mas me incomoda ler, no seu perfil no Linkedin [rede social de integração entre profissionais], que a senhora tem mestrado, assim como saiu em vários veículos de imprensa. O que é uma mentira”, acusou o senador.
“Nem mestranda é”
O parlamentar disse que a pesquisa final que Verônica realizou, citada na sua apresentação, “não passou de um simples trabalho acadêmico”. “Nem mestranda a senhora é mais, porque pediu licença em 2018 e o prazo já inspirou. Por essa mentira, não posso votar na senhora”, acrescentou. Segundo ele, um ministro do STM que não é militar deveria “ao menos ter militares na família e conviver mais com militares”, o que não acontece em relação a Verônica.
A advogada rebateu afirmando que nunca teve perfil no Linkedin e que não sabe de onde o senador tirou essas informações. Destacou que colocar no currículo que é advogada e fez mestrado, mas explicando o fato de não ter concluído a tese foi a forma aconselhada pelo seu orientador a registrar na sua apresentação, o professor Gustavo Henrique Badaró, da Universidade de São Paulo (USP).
Ao final, foi lida uma carta do jurista e orientador com elogios a ela e confirmando que cumpriu com louvor todas as etapas do mestrado, tendo deixado apenas de fazer a parte final em razão de problemas pessoais e de saúde.
Trajetória e dedicação
Verônica ressaltou que, se por acaso saiu alguma reportagem na imprensa afirmando que ela tem mestrado, não possui controle sobre o que os veículos escrevem ou divulgam. O que pode garantir é a forma como se apresentou aos senadores.
Primeira a se apresentar na CCJ dentre os indicados, a advogada relatou que se formou há quase 20 anos, tem seu próprio escritório há 13 anos, atua em Direito Criminal e fez de fato o mestrado, porém não conseguiu concluí-lo. Afirmou que como a Justiça Militar julga crimes militares, tem bastante familiaridade com o que será julgado na Corte, uma vez que sabe que a maior parte dos julgamentos são referentes a crimes cometidos pelos militares.
Senso de responsabilidade
A advogada frisou que se tiver seu nome chancelado pelo Senado assumirá o cargo de ministra “com honra, respeito e senso de responsabilidade”.
“Sou, antes de tudo, uma operadora do Direito pela ótica da advocacia. Agora, peço a Vossas Excelências para exercer o Direito pela ótica da magistratura, com equilíbrio, racionalidade e responsabilidade”, declarou.
Desculpas dos senadores
O presidente da CCJ, senador Oto Alencar (PSD-BA), afirmou que “cada um tem seu estilo, mas esse tipo de pergunta não se faz durante uma sabatina”. “Estamos aqui para fazer perguntas e não contestar a sabatinada com uma questão que não é critério exigido para que ela seja indicada ao STM. Além disso, ela mesma explicou na abertura da sua fala. Não se trata desse jeito um convidado a esta Casa, principalmente se tratando de uma mulher”, reclamou Renan Calheiros (MDB-AL).
Fabiano Contarato (PT-ES), outro a protestar, disse que o comentário do colega foi “machista e sexista”. O que precisamos saber aqui é se a senhora Verônica Sterman tem notório saber jurídico, competência e reputação ilibada e ficou claro que ela possui esses requisitos. Prova de títulos não é exigência para o cargo de ministro”, frisou.
Para o senador, “isso tudo se deu porque além de muito bem preparada, a senhora vai para um Tribunal predominantemente masculino”. Randolfe Rodrigues (PT-AP) disse que o que tinha acontecido é reflexo “do machismo estrutural e da misoginia que ainda persistem na sociedade brasileira”.
Inteligência emocional
Duas das senadoras que se manifestaram, Soraya Thronicke (Podemos-MS) e Zenaide Maia (PSD-RN) lembraram que a advogada mostrou que está mais do que apta para integrar o colegiado do STM, não apenas pelo currículo, “mas pelo fato de ter demonstrado inteligência emocional”. “Quando eu repudio uma fala dessas, fico com medo de mim, do que eu vou dizer, e vi como a senhora permaneceu serena e segura de onde está”, ressaltou Soraya
As senadoras lembraram que as mulheres hoje são maioria nas faculdades de Direito e entre os aprovados em concursos públicos para o Judiciário, mas continuam passando por situações do tipo. Lembraram também o fato de o STM ser uma Corte eminentemente masculina que tem em sua composição 15 ministros, dos quais, só uma mulher — a atual presidente Maria Elizabeth Rocha.
Verônica Sterman, depois de ter seu nome aprovado na sabatina e pelo plenário do Senado, será a segunda a integrar uma Corte onde o masculino impera. Mas já mostrou que não enfrentará sua prova de fogo na primeira sessão de julgamento. Teve de enfrentá-la bem antes, com Carlos Portinho.