Por Hylda Cavalcanti
Senadores se articulam para fazer andar com celeridade no Congresso Nacional um projeto que amplia as possibilidades de bloqueio de bens para os condenados por improbidade. Aprovada em 2021 depois de muito embate entre entidades da sociedade civil e políticos, a atualização da Lei de Improbidade Administrativa (LIA), sancionada em 1992 (Lei 8.429), pela Lei 14.230, que entrou em vigor em 25 de outubro de 2021, é considerada uma legislação “bem mais amena” para agentes públicos ímprobos do que a anterior.
Para os descontentes, o momento de fazer com que a proposta ganhe força é a partir de agora, com o seu envio para a Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ), depois de ter sido aprovada em maio pela Comissão de Segurança Pública da Casa (quatro anos depois da atualização da LIA).
Endurecimento da lei
A primeira pressão é pela designação de um relator do texto na CCJ, mas os senadores têm deixado claro que o objetivo é endurecer mais a legislação atual. A matéria, de autoria do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), consiste no Projeto de Lei (PL) Nº 4641/2020. Altera a Lei de Improbidade Administrativa em quatro pontos. O primeiro, para permitir um desconto mensal de até 30% da remuneração de agentes públicos acusados de improbidade, quando não forem encontrados bens suficientes para cobrir o desvio.
O valor descontado, caso o PL seja aprovado da forma como está, deverá ser depositado em juízo e revertido ao ente público em caso de condenação. Se o agente for absolvido, o montante será devolvido.
Pagamento de multa
Outra inovação é que o bloqueio dos bens do agente público poderá se estender ao pagamento de multa. A legislação atual prevê que os valores bloqueados sejam suficientes para o ressarcimento do dinheiro público desviado e a devolução do enriquecimento ilícito.
A proposta também leva mais razoabilidade à Lei ao estabelecer que, havendo mais de um réu, a soma dos valores bloqueados não poderá ultrapassar o montante do prejuízo ao erário ou do enriquecimento ilícito — limite que não existe hoje. Por fim, a quarta e mais emblemática novidade é a determinação de que a indisponibilidade dos bens seja decretada mesmo sem a comprovação de “perigo de dano”— que passou a ser exigida com a atualização da lei em 2021.
O que é perigo de dano
“Perigo de dano” é um termo jurídico que se refere à possibilidade real e concreta de que um direito seja lesado ou que o resultado útil de um processo seja comprometido caso não haja uma decisão judicial imediata ou uma medida protetiva. Este é, atualmente, um dos requisitos para a concessão de medidas de urgência, como a tutela provisória, onde a demora na decisão pode causar prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação.
A LIA estabelece que apenas com a comprovação de perigo de dano é possível autorizar o bloqueio de alguém condenado por improbidade. Mas conforme o PL que está em tramitação, o perigo de dano pode deixar de ser exigido contanto que o juiz, depois de ouvir o réu num prazo de até cinco dias, considere plausíveis os atos descritos na petição inicial. Além disso, pelo projeto, a oitiva do réu poderá ser dispensada caso possa comprometer a efetividade do bloqueio.
O que dizem senadores
O senador Sérgio Petecão (PSD-AC), que relatou a matéria durante sua tramitação na Comissão de Segurança Pública do Senado, apresentou um texto substitutivo ao original, mas a matéria recebeu elogios de outros parlamentares.
O senador explicou que fez ajustes apenas para adequar o texto da LIA às mudanças da legislação de 2021. De acordo com ele, são alterações pequenas, porém “que garantem ao Estado ter instrumentos legais claros para recuperar os prejuízos causados por atos de improbidade, reforçando o respaldo jurídico a práticas que já eram reconhecidas pela jurisprudência”.
Impedirá que “se livrem”
“A matéria evita, por exemplo, que eventuais acusados da prática do ato de improbidade se livrem do patrimônio de suposta origem ilícita ou que possa servir para ressarcimento ao erário com o objetivo de frustrá-lo”, acrescentou.
“A corrupção não deixará de ser um problema enquanto não for objeto de combate amplo e efetivo, o que só é possível caso os agentes de fiscalização detenham instrumentos eficazes para assegurar, além da punição dos indivíduos, o ressarcimento dos prejuízos causados”, frisou o senador Fabiano Contarato (PT-ES). A definição de um relator para o PL é um dos temas previstos na pauta da reunião da CCJ programada para a próxima quarta-feira (13/08).
Principais diferenças das LIAs
Segundo a advogada Lourdes Rodrigues, que realiza pesquisa acadêmica sobre o tema, a lei de 2021 provocou muitos impactos entre políticos, servidores públicos, advogados, magistrados e integrantes dos Ministérios Públicos pelas alterações que apresenta. Ao seu ver, com a exigência expressa de demonstração de perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo, a legislação estabeleceu limites para o deferimento nas ações de improbidade.
Do mesmo modo, também afrouxou as regras para os culpados quando estabeleceu que a indisponibilidade não incidirá sobre os valores a serem eventualmente aplicados a título de multa civil ou sobre acréscimo patrimonial.
Parâmetros acusatórios
Por fim, avalia a pesquisadora, a legislação introduziu normas que alteraram os parâmetros acusatórios. A principal foi o fato de ter acabado com a punição de práticas culposas, quando passou a estabelecer que para o agente público (político ou servidor público) responder por atos de improbidade, é necessária a demonstração do dolo (vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito).
Assim, os três tipos de improbidade — enriquecimento ilícito; prejuízo ao erário; e violação aos princípios administrativos — agora abarcam apenas atos dolosos. Segundo a advogada, nem todos os impactos na lei foram sentidos ainda, mesmo passados quase quatro anos da sua sanção. “Muita coisa ainda está por vir”, ressaltou Lourdes. Da mesma forma reclamam integrantes do Ministério Público, que desde 2021 têm feito várias adaptações em suas normativas por conta da legislação.
“A diferença entre remédio e veneno está na dose. E parece que, neste caso, a dose foi alta demais”, já chegou a afirmar em entrevistas sobre a atualização da lei, o Procurador Regional da República Ronaldo Pinheiro de Queiroz — autor do livro intitulado Manual sobre Improbidade Administrativa.