Da Redação
O Supremo Tribunal Federal decidiu por unanimidade, durante a sessão plenária desta quinta-feira (14), invalidar tanto o Decreto quanto a lei estadual que tratavam do reajuste salarial de delegados da Polícia Civil do Tocantins. A Corte entendeu que o Decreto do Governado do Estado violou o princípio da separação dos Poderes ao suspender unilateralmente uma lei aprovada pelo Legislativo, enquanto a norma foi considerada produto de abuso de poder político com finalidade eleitoral.
O caso envolveu a Lei estadual 2.853/14, que concedeu aumento aos subsídios dos delegados, e o posterior Decreto 5.194/15, editado pelo então Governador para suspender os efeitos financeiros da norma. A decisão representa importante precedente sobre os limites do poder regulamentar do Executivo e sobre legislações editadas em períodos eleitorais.
PSB questionou decreto que suspendia efeitos de lei estadual
O Partido Socialista Brasileiro ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade questionando especificamente o Decreto 5.194/15. A legenda argumentou que o Governador invadiu competência tanto do Poder Legislativo quanto do Judiciário ao revogar unilateralmente uma lei aprovada pelo Congresso estadual.
Segundo a inicial, o Decreto foi editado sob justificativa de que o aumento da despesa não indicou fonte de custeio nem considerou impacto orçamentário-financeiro. O governador teria dado ainda efeitos retroativos à suspensão, agravando a situação jurídica.
Relator considerou decreto usurpação de competência judicial
O ministro Luiz Fux, relator do processo, classificou o decreto como inconstitucional por usurpar competência do Poder Judiciário. Ele destacou que atos administrativos não podem ser utilizados para sustar efeitos de normas aprovadas pelo Legislativo e sancionadas pelo próprio Executivo.
Para o relator, o Decreto configurou inconstitucionalidade tanto formal quanto material. Violou o artigo 84, inciso VI, da Constituição Federal, além dos princípios da separação dos poderes, legalidade e presunção de constitucionalidade das leis.
Fux enfatizou que leis promulgadas só podem ser suspensas através do controle judicial de constitucionalidade. O próprio Governador havia tentado questionar a norma no Tribunal de Justiça local, mas a ação não foi conhecida pela Corte estadual.
Ministro Gilmar Mendes propôs invalidação também da lei
Durante o julgamento, o ministro Gilmar Mendes sugeriu que a própria lei fosse declarada inconstitucional por arrastamento. Inicialmente, a ação questionava apenas o Decreto, mas o decano da Corte considerou necessário analisar também a validade da norma suspensa.
Mendes argumentou que a Lei 2.853/14 foi editada com finalidade estritamente eleitoral, às vésperas das eleições de 2014. Destacou a ausência de estudo de impacto financeiro e de previsão orçamentária, caracterizando afronta ao artigo 169, parágrafo 1º, da Constituição.
O ministro vinculou a norma ao então Governador Sandoval Cardoso, que editou diversas medidas provisórias concedendo aumentos a servidores antes do pleito. Cardoso foi posteriormente declarado inelegível por abuso de poder político.
Procurador-geral incluiu lei no pedido durante sessão
Como a jurisprudência do STF exige pedido específico para analisar a constitucionalidade de leis, o Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, apresentou, oralmente, aditamento à inicial durante a própria sessão. Esta providência viabilizou a apreciação da validade da Lei de 2014 pelo plenário.
A inclusão da lei no julgamento permitiu que a Corte analisasse de forma completa a situação jurídica. Assim, tanto o decreto quanto a lei que ele pretendia suspender foram submetidos ao crivo constitucional.
Alexandre de Moraes destacou mudanças pós-redemocratização
O ministro Alexandre de Moraes, em voto-vista, ressaltou que a Constituição de 1988 não recepcionou a prática de chefes do Executivo afastarem unilateralmente aplicação de leis. Essa possibilidade era admitida apenas excepcionalmente antes da redemocratização, em contexto de concentração de poder.
Moraes explicou que o controle abstrato era então restrito ao Procurador-Geral da República, cargo de livre nomeação presidencial, comprometendo a independência da função. Com a nova Constituição, o acesso ao controle concentrado foi ampliado, garantindo autonomia ao PGR e legitimidade a diversos atores.
Decisão unânime estabelece precedente sobre separação de poderes
A unanimidade do plenário confirmou que não existe mais espaço institucional para suspensão administrativa de leis regularmente aprovadas. O julgamento estabelece precedente importante sobre limites do poder regulamentar via decreto e sobre legislações com finalidade eleitoral.
A decisão reforça que eventuais inconstitucionalidades devem ser questionadas através dos mecanismos próprios do controle judicial. O caso também alerta para os riscos de legislações editadas em períodos eleitorais sem adequado respaldo orçamentário.
O julgamento ocorreu na ADI 5297