Da redação
O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu por unanimidade a repercussão geral de um recurso que questiona se a imposição do corte de barba e cabelo em presídios viola o direito à liberdade de crença e religião dos detentos. O caso, objeto do Recurso Extraordinário (RE) 1406564, classificado como Tema 1.411, promete estabelecer diretrizes fundamentais sobre os limites da liberdade religiosa no sistema prisional brasileiro.
A controvérsia teve origem na Penitenciária Federal de Campo Grande (MS), onde a Defensoria Pública da União (DPU) propôs ação civil pública para assegurar aos presos que professam a fé islâmica o direito de manter barba e cabelo conforme seus costumes religiosos.
Conflito entre direitos fundamentais e segurança prisional
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) havia considerado não haver ilegalidade na exigência do corte, fundamentando sua decisão na ausência de determinação religiosa específica para manter barba e cabelo compridos, segundo a Federação Nacional das Associações Muçulmanas do Brasil. Para a corte regional, o direito à crença deve ser ponderado com outros bens jurídicos relevantes, incluindo disciplina, ordem, isonomia, segurança e higiene.
A Defensoria Pública relata que a recusa dos detentos em aparar barba e cabelo conforme as regras prisionais tem resultado em punições disciplinares sistemáticas. A instituição sustenta que a possibilidade de manter expressões religiosas representa não apenas um direito constitucional, mas também o respeito à identidade e dignidade humana do preso, elementos fundamentais para a ressocialização.
Ministro Fachin destaca relevância constitucional do tema
O relator do caso, ministro Edson Fachin, considerou que a controvérsia sobre os limites da liberdade religiosa frente às exigências da segurança pública e higiene carcerária constitui questão constitucional relevante, que transcende os interesses subjetivos do caso concreto e justifica sua análise pela sistemática da repercussão geral.
Fachin observou que a decisão do TRF-3 se baseia na Portaria 1.191/2008 do Ministério da Justiça, que regulamenta o processo de higienização pessoal do preso, estabelecendo padrões específicos de corte, tipo de pente e outros aspectos relacionados à aparência física dos detentos. Para o ministro, é fundamental avaliar a conformidade dessa norma infraconstitucional com o texto da Constituição Federal.
O relator enfatizou a necessidade de examinar o potencial conflito entre a liberdade religiosa, garantida como direito fundamental, e os limites impostos pela segurança pública e disciplina carcerária, particularmente na dimensão da higiene prisional, que historicamente tem sido utilizada como justificativa para restrições à expressão religiosa e cultural dos presos.
Impacto nacional e precedente judicial
A tese a ser fixada pelo STF no julgamento deste recurso deverá orientar todos os demais tribunais do país em situações semelhantes, criando um precedente vinculante que afetará milhares de detentos em todo o território nacional. O Brasil possui uma das maiores populações carcerárias do mundo, com mais de 800 mil pessoas privadas de liberdade, incluindo praticantes de diversas religiões.
A decisão terá repercussões que vão além do caso específico dos muçulmanos, podendo afetar outras manifestações religiosas no ambiente prisional, como o uso de símbolos religiosos, práticas alimentares específicas e rituais de diferentes credos. Ainda não há data prevista para o julgamento de mérito do recurso.



