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Tenório Jr. diz presente. Louvá-lo é ouvir Embalo, escreve Jeffis Carvalho

Há 1 mês
Atualizado sexta-feira, 26 de setembro de 2025

Em uma noite de fim de verão em Buenos Aires, o pianista  brasileiro Tenório Jr. acaba de se apresentar tocando com Vinicius de Moraes e Toquinho no show da turnê portenha da dupla. Vinicius deixa o teatro e vai para a casa de sua companheira, enquanto Toquinho e o pianista vão para o hotel. Em hora indeterminada, Tenório avisa o amigo que vai até a farmácia comprar um remédio e, especula-se, também cigarros, ali perto. E diz que logo deve estar de volta.

Em um exercício de imaginação, podemos supor que ele caminha pelas ruas próximas ao hotel em busca de uma farmácia e uma tabacaria. Ele traja jeans, camisa e com a barba e os cabelos compridos, pode ser facilmente confundido com um roqueiro. Mas também se aparece, no jeito, no que veste e, principalmente na barba, um ativista de esquerda naqueles terríveis anos pós-Juan Peron e apena uma semana antes do mais sangrento golpe militar já dado na nossa sempre conturbada América Latina.

É 18 de março de 1976. O fato é que o pianista brasileiro não retorna. Desaparece na noite. Para sempre. 

O golpe militar acontece em 24 de março, e o desaparecimento de Tenório é desde então considerado resultado direto da repressão do regime. A tese é que Tenório Jr. é confundido com um militante ou que foi flagrado  em um local de “subversivos”. Vive-se durante os próximos sete anos no mais  terrível período de repressão generalizada que se tem notícia em nosso continente.

Corta.

A trajetória do pianista Tenório Jr é marcada por um talento de virtuose que o consagra como uma figura central no samba-jazz e na bossa nova.

1964. O músico e compositor lança Embalo pela RGE. É o seu único álbum solo e logo se torna uma referência pela sofisticação e improviso, na inspirada mescla de bossa nova, samba e jazz. O trabalho é considerado um dos grandes tesouros do piano brasileiro e testemunha a genialidade de Tenório Jr. A produção, que contou com arranjos do próprio pianista, é um marco na música instrumental brasileira.

Se sua discografia solo é curta, em parte porque viveu apenas 35 anos, Tenório Jr. tem uma brilhante carreira como músico de apoio e trabalha com alguns dos mais influentes artistas brasileiros. Colabora com Vinícius e Toquinho acompanhando-os em diversos shows pelo país e turnês.

Com seu talento de músico e arranjador também participa de gravações e shows de outros grandes nomes, como Egberto Gismonti, Chico Buarque, Elizeth Cardoso, Maria Bethânia, Gal Costa e Erasmo Carlos. Sua habilidade e sensibilidade ao piano são muito requisitadas no cenário musical. 

Corta.

Setembro de 2025. Quase 50 anos depois, o corpo de Tenório Jr. finalmente é identificado pela Equipe Argentina de Antropologia Forense (EAAF). A identificação se torna possível por meio  de impressões digitais; e revela que ele havia sido enterrado como indigente em 1976.

Um laudo pericial confirma que o pianista foi executado com cinco tiros, provavelmente na mesma noite em que desapareceu. As informações desmentem, assim, teorias anteriores de que ele teria sido levado a centros de tortura, como a terrível Escola Mecânica da Armada (ESMA). 

Flashback

1964. Tenório Jr. reúne uma constelação de talentos para a gravação de seu primeiro e único álbum. A formação é um evento musical: Milton Banana, Raul de Souza, Édson Maciel, Paulo Moura e J.T. Meirelles. Não são apenas nomes no encarte, compõem um conjunto de virtuoses que encontra em Tenório Jr. tanto um compositor de refinada inventividade quanto um pianista de técnica impecável.

O pianista e pesquisador Vinícius Mendes Rodrigues capta uma verdade essencial sobre Embalo: ali pulsa uma liberdade harmônica e rítmica que, embora não pioneira em absoluto, cristaliza inovações já presentes no DNA da música instrumental brasileira. O disco funciona como uma síntese criativa do que Paulo Moura e outros já exploram, mas sob a batuta singular de Tenório Jr.

Na efervescente década de 1960, o verdadeiro laboratório crítico funciona nas ruas de Copacabana. No Beco das Garrafas, os músicos cariocas se tornam os próprios árbitros do que emerge na cena instrumental brasileira. Ali, onde “os músicos sempre chegam com alguma música ou arranjo novo”, as inovações de Embalo encontram seu tribunal mais exigente — e talvez mais receptivo.

& Flashforward

Uma análise contemporânea de Embalo revela duas inovações.

A primeira está na subversão das hierarquias instrumentais tradicionais. Onde se espera o piano conduzindo a harmonia e os sopros ornamentando o tema, Tenório Jr. inverte os papéis: assume a melodia principal e transforma o naipe de sopros em parceiro dialógico. Com isso, cria um jogo de perguntas pianísticas e respostas orquestrais que renova a linguagem do jazz brasileiro.

A segunda inovação é sua maestria na fusão estilística. A faixa-título, composta por Tenório e arranjada por Paulo Moura, exemplifica essa síntese: ouça e perceba que o bebop americano ganha sotaque brasileiro sem perder sua sofisticação original, enquanto a seção de sopros emerge como protagonista de uma conversa musical que transcende fronteiras geográficas e estéticas.

O trágico destino de Tenório Jr. pede que sua música, seu talento como pianista e sua originalidade como artista sejam o testemunho do lado mais belo de sua curta existência.

Louvar sua memória é ouvir sua arte. É escutar Embalo.

Ouça no Spotify: https://open.spotify.com/intl-pt/album/6nSnQ6vyh0glT2MqpLQmsO?si=YQXMQ670TX6BMJqNasTksw

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