Em uma decisão que reacende o debate sobre os limites do poder presidencial nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump autorizou, sem aval do Congresso, uma série de bombardeios contra instalações nucleares iranianas neste fim de semana. A ação militar, que atingiu os complexos de Fordo, Natanz e Isfahan, foi justificada pelo governo americano como resposta à escalada das tensões com Teerã, mas provocou forte reação de parlamentares, sobretudo do Partido Democrata, e colocou em xeque a legalidade constitucional do ataque. O episódio reacende dúvidas sobre até onde vai a autonomia do chefe do Executivo na condução da política externa e, principalmente, no uso da força militar sem consulta legislativa.
A Constituição dos Estados Unidos estabelece que a prerrogativa de declarar guerra pertence ao Congresso, enquanto o presidente é o comandante-em-chefe das Forças Armadas. No entanto, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, presidentes americanos têm utilizado brechas legais para ordenar ações militares de forma unilateral, alegando necessidade de resposta imediata a ameaças ou de proteção dos interesses nacionais. O caso mais recente repete o roteiro de confrontos anteriores, em que a ausência de autorização prévia do Congresso alimenta críticas sobre o desrespeito ao equilíbrio de poderes.
Diversos congressistas, principalmente democratas, classificaram o ataque como ilegal e inconstitucional. Para eles, não havia ameaça iminente que justificasse a medida extrema, e a falta de comunicação prévia desrespeitou a War Powers Resolution, lei de 1973 que regula as ações militares do Executivo. O senador Tim Kaine e o deputado Thomas Massie já apresentaram propostas para limitar os poderes de guerra do presidente, alegando que a escalada militar pode arrastar o país para um novo conflito sem o respaldo popular e parlamentar.
Por outro lado, apoiadores de Trump e parte dos republicanos defendem que a decisão foi legítima, considerando o caráter restrito e cirúrgico da operação. Segundo essa interpretação, o presidente possui margem para agir diante de ameaças urgentes, especialmente quando estão em jogo a segurança de aliados estratégicos e a proteção dos interesses americanos na região. Argumentam ainda que a rapidez da resposta foi fundamental para impedir avanços nucleares do Irã, que poderiam alterar o equilíbrio de forças no Oriente Médio.
A ação, no entanto, traz consequências de curto e longo prazo para a política externa dos EUA e para as relações com o Congresso. No campo diplomático, aumenta o risco de retaliação iraniana, dificulta esforços para a retomada de negociações nucleares e eleva a tensão com aliados europeus, que já vinham sinalizando preocupação com a escalada militar. Internamente, o episódio acirra a disputa entre Legislativo e Executivo, num momento em que parte do Congresso busca retomar o controle sobre decisões de guerra e limitar o poder da Casa Branca de agir unilateralmente.
Especialistas em direito internacional e constitucional veem o ataque como um teste aos mecanismos de freios e contrapesos do sistema americano. Segundo eles, o precedente abre margem para futuras intervenções sem debate público e sem a devida transparência democrática, fragilizando a legitimidade das ações externas dos EUA. O episódio ainda pode impulsionar propostas de reforma na legislação sobre poderes de guerra, como forma de evitar abusos e garantir maior controle parlamentar sobre o envio de tropas e uso da força.
O episódio Trump-Irã serve como alerta para a necessidade de atualização das regras que regem a participação militar americana em conflitos internacionais. O cenário evidencia a urgência de se reequilibrar os poderes constitucionais e restaurar o papel do Congresso na tomada de decisões críticas para a segurança nacional. Em meio ao aumento das tensões globais e ao risco de novas crises, o debate sobre limites ao poder presidencial deve ganhar ainda mais relevância nos próximos anos, com impacto direto na estabilidade do sistema democrático americano.
Veja aqui quais foram as guerras em que os EUA entraram sem autorização expressa do Congresso:
1. Guerra da Coreia (1950–1953)
- Presidente: Harry Truman
- Detalhe: Início da intervenção militar sem declaração de guerra pelo Congresso. Truman justificou a ação com base em resoluções do Conselho de Segurança da ONU, marcando o início da tradição presidencial de contornar o Legislativo em conflitos limitados.
2. Guerra do Vietnã (1955–1975)
- Presidente: Lyndon B. Johnson (principalmente)
- Detalhe: A escalada se baseou na Resolução do Golfo de Tonkin (1964), que não era uma autorização formal de guerra. O Congresso só tomou ciência da real extensão das operações posteriormente.
3. Invasão do Camboja (1970) e Laos (1971)
- Presidente: Richard Nixon
- Detalhe: Ações secretas, realizadas sem informar ou obter autorização do Congresso, aumentando críticas sobre abuso do poder presidencial.
4. Invasão da Grenada (1983)
- Presidente: Ronald Reagan
- Detalhe: Tropas americanas invadiram a ilha para derrubar o regime marxista local. O Congresso foi comunicado apenas após o início da operação, violando a War Powers Resolution.
5. Bombardeio da Líbia (1986)
- Presidente: Ronald Reagan
- Detalhe: Ataque aéreo em resposta a atentados terroristas atribuídos ao regime de Kadhafi. Não houve consulta prévia ao Congresso.
6. Invasão do Panamá (1989)
- Presidente: George H. W. Bush
- Detalhe: Operação para prender o líder Manuel Noriega e garantir o controle do Canal do Panamá. Decisão unilateral, com autorização apenas posterior.
7. Guerra do Golfo (1991) – Primeira fase
- Presidente: George H. W. Bush
- Detalhe: Embora tenha havido autorização para o uso da força, os primeiros deslocamentos e preparativos ocorreram antes da aprovação formal do Congresso.
8. Ataques aéreos à Bósnia (1995) e Kosovo (1999)
- Presidentes: Bill Clinton
- Detalhe: Campanhas de bombardeio pela OTAN, lideradas pelos EUA, sem autorização formal do Congresso. Clinton usou resoluções internacionais e justificou urgência humanitária.
9. Ataques ao Sudão e Afeganistão (1998)
- Presidente: Bill Clinton
- Detalhe: Bombardeios contra alvos ligados à Al Qaeda após atentados em embaixadas americanas. Nenhuma autorização legislativa.
10. Invasão do Afeganistão (2001)
- Presidente: George W. Bush
- Detalhe: O Congresso aprovou posteriormente a “Autorização para o Uso da Força Militar” (AUMF), mas as operações iniciais começaram antes de sua promulgação formal.
11. Invasão do Iraque (2003)
- Presidente: George W. Bush
- Detalhe: O Congresso aprovou uma autorização, mas muitos críticos argumentam que a extensão da guerra e operações subsequentes excederam o mandato original.
12. Intervenção na Líbia (2011)
- Presidente: Barack Obama
- Detalhe: Bombardeios contra forças de Kadhafi, baseados em resolução da ONU, sem autorização prévia do Congresso. A decisão gerou críticas até de aliados democratas.
13. Ataques na Síria (2014 em diante)
- Presidentes: Barack Obama, depois Donald Trump
- Detalhe: Operações contra o Estado Islâmico, com justificativas baseadas na antiga AUMF de 2001. Não houve nova autorização formal.
14. Morte de Qasem Soleimani (Irã, 2020)
- Presidente: Donald Trump
- Detalhe: Ataque de drone em Bagdá, também sem aval do Congresso.
15. Bombardeio ao Irã (2025)
- Presidente: Donald Trump
- Detalhe: Novo episódio polêmico, com ação militar direta sem autorização prévia.