Da Redação
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, que o crédito representado por Cédula de Produto Rural (CPR) vinculada a operação Barter não se submete aos efeitos da recuperação judicial, mesmo quando a obrigação é convertida em cobrança por dinheiro em razão da não entrega dos grãos. Segundo o colegiado, a conversão não retira a garantia do penhor agrícola nem transforma o crédito em concursal, pois a Lei 14.112/2020 assegura caráter extraconcursal às CPRs físicas e às operações Barter, salvo casos de força maior.
Operação Barter e a natureza do crédito
A decisão foi proferida em recurso de uma empresa credora que havia ajuizado execução para a entrega de sacas de soja previstas em CPR emitida em 2018. Como os devedores, em recuperação judicial, não entregaram o produto, o processo foi convertido em cobrança por quantia certa. O juízo de primeiro grau e o Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) entenderam que o crédito era concursal, por ter origem anterior à vigência da Lei 14.112/2020, que reformou a Lei de Recuperação Judicial e Falências.
No entanto, ao recorrer ao STJ, a empresa alegou que a simples conversão da execução não altera a natureza do crédito nem implica renúncia à garantia, que só pode ocorrer de forma expressa. Sustentou também que a nova lei tem aplicação imediata a processos em andamento e que, por estar vinculada a uma operação Barter, sua CPR deveria permanecer fora dos efeitos da recuperação.
Lei de 2020 protege operações típicas do agronegócio
O relator do caso, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, afirmou que a Lei 14.112/2020 buscou adequar a recuperação judicial às práticas do agronegócio, garantindo segurança jurídica a quem financia o plantio. Por esse motivo, o legislador excluiu expressamente da recuperação os créditos lastreados em CPRs físicas e operações Barter, envolvendo antecipação de preço ou troca de insumos. Nessas situações, explicou o ministro, o credor não participa da recuperação, salvo em casos de força maior ou caso fortuito.
Para o relator, não há conflito entre a Lei 11.101/2005 (de Recuperação e Falência) e a Lei 8.929/1994 (da CPR). O artigo 11 desta última é exceção expressa ao artigo 49 da LREF, que prevê a submissão geral dos créditos à recuperação. “O objetivo é preservar a confiança no crédito agrícola, fundamental para o financiamento do setor”, destacou Cueva.
Conversão da execução não altera a natureza da CPR
Villas Bôas Cueva observou ainda que, nas operações Barter, o inadimplemento geralmente decorre da inexistência física do produto, o que inviabiliza a entrega e deixa ao credor apenas o direito de receber o valor correspondente em dinheiro. Nessa hipótese, disse o ministro, admitir que o pedido de conversão significaria renúncia à garantia e submissão à recuperação judicial permitiria ao devedor escolher unilateralmente se o crédito seria atingido pela recuperação, o que contrariaria a lógica da lei.
O relator também ressaltou que, embora a CPR tenha sido emitida em 2018, o crédito só precisou ser classificado em 2023, com o ajuizamento da recuperação judicial, devendo então observar a legislação vigente. “Não há falar em ato processual praticado ou situação consolidada sob a norma revogada, pois não havia ato processual na recuperação antes da vigência da nova lei”, concluiu.
Segurança jurídica no campo
Com o julgamento, o STJ reforçou a segurança jurídica das operações de financiamento agrícola e consolidou o entendimento de que créditos amparados por CPR física ou operação Barter têm natureza extraconcursal, ficando fora do alcance da recuperação judicial. A decisão garante previsibilidade ao mercado e reafirma a importância das garantias reais no agronegócio brasileiro.