Da Redação
Uma conciliação inédita entre dois tribunais pôs fim a um conflito de terras que se arrastava há 16 anos em Brasilândia de Minas, garantindo posse definitiva para mais de uma centena de famílias que viviam sob ameaça de despejo. O acordo, homologado na semana passada pelo Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6) em parceria com o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), marca a primeira vez na história que dois tribunais atuam conjuntamente para resolver um problema fundiário.
A Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) transferiu a propriedade da área para o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que implantará um projeto de reassentamento. “O momento é histórico e é a concretização de um sonho dessas famílias”, declarou José Rotondano, conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e presidente da Comissão Nacional de Soluções Fundiárias. Segundo ele, o processo durava mais de 16 anos e foi resolvido em uma audiência simples, mas de grande significado.
Cooperação entre tribunais garante solução eficaz
O presidente do TRF6, desembargador federal Vallisney Oliveira, destacou que a estrutura com diversas instituições envolvidas permitiu resolver em um ano o que estava em tramitação desde 2016. “É com a estrutura de diversas pessoas envolvidas, como TJMG, Incra, Codevasf, os posseiros e nós, por meio da Comissão de Conflitos Fundiários, que conseguimos fazer uma audiência homologatória de conciliação”, explicou. Já o desembargador federal Prado de Vasconcelos, presidente da Comissão Regional de Soluções Fundiárias do TRF6, enfatizou o caráter pioneiro da cooperação: “Não existe o jurisdicionado federal, não existe o jurisdicionado estadual, existe o jurisdicionado mineiro”.
O juiz federal Mario de Paula Franco Junior, responsável pela condução do processo, descreveu o desafio: “Era uma ação possessória que envolve um conflito fundiário coletivo de grande repercussão aqui no Noroeste de Minas”. A solução prática garante que as famílias, antes sob risco de reintegração de posse, agora tenham certeza de que poderão exercer suas atividades nas terras.
“Agora podemos trabalhar com tranquilidade”
Para as famílias beneficiadas, o acordo representa uma mudança radical de vida. Amarozan Gonçalves dos Reis, representante da Associação Osvaldo Vieira, chamou o dia de “momento histórico”, explicando que os trabalhadores da região tiram sustento da terra produzindo leite, mandioca e rapadura comercializados na feira da cidade.
Antônio Adilson Rocha Silva, que trabalha na terra há nove anos com a família, celebrou a conquista: “Podemos criar um porquinho, umas galinhas, uma vaca de leite, criar um cavalo, um alimento, tirar o sustento da família. Agora foi normalizado e pode trabalhar com mais tranquilidade, graças a Deus”.
Dona Maria, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasilândia, que acompanha a luta desde 1997 e já ajudou a criar cinco assentamentos no município, não conteve a emoção: “O dia de hoje, pra mim, vai ficar na história”. Ela destacou a importância de ter documentação formal: “Você ter um documento na mão, você fazer um financiamento, até pra requerer um benefício do INSS… Agora, nós estamos tranquilos, nós vamos dormir tranquilo se Deus quiser”.
Modelo para o país
O desembargador Leopoldo Mameluque, coordenador da Comissão de Solução de Conflitos Fundiários do TJMG, ressaltou que é “a primeira vez que um acordo é homologado através de dois tribunais, resolvendo um problema que se arrasta há mais de dez anos”. Ele enfatizou que não se tratava de invasão, mas de “ocupação para moradia, foi solucionado da melhor forma possível”.
O acordo em Brasilândia de Minas estabelece um modelo para resolução de conflitos fundiários no país, demonstrando que a cooperação interinstitucional e o diálogo podem oferecer soluções definitivas e dignas para questões que tradicionalmente se arrastam por décadas no Judiciário.