Por Hylda Cavalcanti
Além das questões diplomáticas de ordem política que envolvem Brasil e Estados Unidos e Brasil e Itália, o Judiciário brasileiro também tem uma pendência em curso a ser resolvida com a Irlanda. Nesta quinta-feira (30/07) completam-se 50 dias da decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) que determinou o retorno de duas crianças residentes naquele país para ficar com a mãe, no Brasil.
Elas são filhas da nutricionista Raquel Canterelli, e a decisão foi definitiva para que voltem a residir aqui. Mas o cumprimento depende, ainda, das autoridades irlandesas. Conforme informações da Defensoria Pública da União (DPU), os defensores Daniela Jacques Brauner e Holden Macedo participaram de reunião em junho com representantes do Ministério da Justiça para tratar sobre a execução da sentença e estão acompanhando o caso.
A DPU destacou em nota, que o principal objetivo é fazer com que o retorno das crianças aconteça “de forma harmônica, levando-se em conta os instrumentos diplomáticos adequados”. Entre magistrados do STJ, porém, 50 dias é um período desarrazoado e as filhas já deveriam ter sido entregues para a mãe.
Entenda o caso
A nutricionista Raquel Canterelli, que travou uma longa batalha judicial para reaver as filhas, obteve vitória definitiva no STJ em 11 de junho passado. As meninas possuem 5 e 7 anos. Tudo se deu porque, em 2019, Raquel fugiu da Irlanda para o Brasil com as crianças (que teve com um irlandês). Ela afirmou que tomou a atitude por ter sido vítima de abuso físico e sexual pelo então companheiro, além de ter sido mantida em cárcere privado.
Raquel conseguiu sair da Irlanda com o apoio de autoridades consulares brasileiras, que acolheram denúncia feita por ela de ser vítima de violência psicológica e patrimonial. E mais: de que a filha mais velha também teria sofrido abusos.
Logo em seguida, o seu ex-companheiro moveu uma ação de busca e apreensão na Justiça brasileira, invocando a Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças. A ação foi iniciada ainda em 2019 pela Advocacia-Geral da União (AGUs), que atendeu a um pedido de cooperação jurídica feito pelo pai irlandês.
Mesmo com laudo, o retorno
Em 2022, um laudo pericial apontou os riscos do retorno das meninas à Irlanda, e a primeira instância da Justiça decidiu pela permanência das crianças com a mãe, no Brasil. Em 2023, entretanto, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) reformou a decisão, determinando a devolução imediata das crianças ao pai. Assim, as duas foram levadas à força com o auxílio de agentes da Polícia Federal (PF) da casa de Raquel.
A nutricionista interpôs recurso junto ao STJ com um advogado particular, mas o recurso foi rejeitado. Diante disso, a Defensoria Pública da União (DPU) e o Ministério Público Federal (MPF) intervieram a seu favor e ajuizaram novo recurso na Corte superior.
Convenção de Haia
A 1ª Turma do STJ reconheceu a existência de provas reais de risco às crianças e restabeleceu a decisão de primeiro grau, determinando a devolução das filhas à mãe. A Advocacia-Geral da União (AGU) ainda tentou recorrer por meio de embargos de declaração, mas o resultado final foi confirmado pelo STJ em junho.
A questão reforça a necessidade de atualização alertada por muitos juristas sobre a atual Convenção de Haia, que consiste em uma série de tratados internacionais estabelecidos pela Conferência da Haia de Direito Internacional Privado. O objetivo principal da convenção, endossada por 120 países, incluindo o Brasil, é padronizar e simplificar questões legais entre seu signatários, de modo a facilitar a cooperação jurídica internacional.
Mães de Haia
Mas as regras terminam fazendo com que mulheres que, para fugir de situações de violência doméstica e outros abusos levam os filhos para outros países, acabem sendo enquadradas como sequestradoras internacionais de crianças. Motivo pelo qual a nutricionista, pela sua história, está sendo chamada de uma das “Mães de Haia”.
Em maio de 2024, a DPU levou o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Também tramita processo sobre o tema no Supremo Tribunal Federal (STF). O mais urgente, por enquanto, é a execução da sentença mais recente sobre o tema proferida pelo STJ: a de Raquel Canterelli