Por Carolina Villela
O julgamento do Núcleo 4 da suposta tentativa de golpe de Estado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) foi retomado na tarde desta terça-feira (14) com as sustentações orais de quatro advogados de defesas. Pela manhã, já haviam falado os defensores de outros três acusados. O relator da ação ministro Alexandre de Moraes apresentou o resumo dos fatos e o Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, defendeu a condenação dos sete réus.
As defesas do subtenente do Exército Giancarlo Gomes Rodrigues, do tenente-coronel Guilherme Marques de Almeida, do policial federal Marcelo Araújo Bormevet e do coronel do Exército Reginaldo Vieira de Abreu, contestaram as acusações da PGR e negaram os crimes. Os advogados argumentaram que não há provas suficientes para condenar seus clientes e que a denúncia falha em individualizar as condutas de cada réu, além de não comprovar conhecimento sobre um alegado plano golpista.
As defesas sustentaram ainda, que os réus não conheciam o ex-presidente Jair Bolsonaro, apontado como líder da organização, nem tinham relação direta com outros envolvidos no caso.
Defesa questiona individualização das condutas
A advogada Juliana Rodrigues, que representa o subtenente Giancarlo Gomes Rodrigues, abriu a série de sustentações orais da tarde destacando que seu cliente conhecia apenas Marcelo Bormevet entre os acusados do Núcleo 4. Segundo a defensora, Giancarlo não tinha contato com o ex-presidente Jair Bolsonaro, com o delator tenente-coronel Mauro Cid, nem com o ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem.
Um dos principais argumentos da defesa foi a falta de individualização das condutas pela PGR. Juliana afirmou que a acusação não esclareceu qual teria sido o papel específico do militar na organização criminosa e não comprovou que ele tinha conhecimento do suposto plano golpista. A advogada ressaltou que Giancarlo ingressou na Abin em dezembro de 2017, por meio de processo seletivo regular, em período anterior à gestão de Ramagem.
Quanto ao uso do sistema First Mile, programa espião que teria sido utilizado para monitoramento ilegal de autoridades, a defesa argumentou que o subtenente não participou da aquisição da ferramenta e só a utilizou entre agosto de 2019 e junho de 2020, por determinação da chefia, quando seu uso ainda era autorizado. Esse período, segundo a advogada, difere do apontado pela denúncia.
Compartilhamento de senhas questiona autoria de pesquisas
Juliana Rodrigues rebateu a acusação de que Giancarlo teria realizado 887 pesquisas no sistema, apresentando documento da própria Abin que comprovaria que as senhas eram compartilhadas entre servidores. “Se o sistema não é auditável, como a gente pode imputar todas as pesquisas a Giancarlo. Aparentemente a Abin é só um órgão sem controle”, questionou a advogada.
A defensora também contestou a narrativa de que seu cliente teria “inaugurado” a pauta sobre a credibilidade das urnas eletrônicas, afirmando que ele apenas fez “meros encaminhamentos” de mensagens sobre um tema que já era amplamente discutido pela população. Segundo Juliana, o próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE) adotou postura ativa em defesa do sistema eleitoral, demonstrando que o debate era público.
Por fim, a advogada argumentou que a denúncia da PGR não descreve qual teria sido a participação específica do acusado nos atos criminosos de 8 de janeiro de 2023, e pediu a absolvição integral do réu.
Encaminhamento de mensagens não comprova crime, argumenta defesa
Leonardo Coelho, advogado do tenente-coronel Guilherme Marques de Almeida, afirmou que a acusação de disseminação de conteúdo golpista em massa é equivocada. O defensor sustentou que seu cliente apenas encaminhou notícias em linhas de transmissão pelo WhatsApp, mas a PGR não conseguiu comprovar o recebimento das mensagens pelos destinatários.
“Sem recebimento o ato de disseminar não se confirma”, argumentou Coelho, destacando que a acusação de organização criminosa é falha e carente de fundamentação. Segundo o advogado, a denúncia não apresentou evidências de que os integrantes se uniram para a mesma finalidade, sendo insuficiente como prova apenas o encaminhamento de links.
O defensor também ressaltou que os demais corréus não conheciam Guilherme Marques e que o próprio delator Mauro Cid afirmou que o tenente-coronel não ocupava cargo no governo nem participou de reuniões políticas. De acordo com a defesa, o réu compartilhou notícias sobre as urnas eletrônicas apenas entre os dias 2 e 6 de novembro, não enviando mais conteúdo sobre o tema após essa data. Coelho destacou ainda que seu cliente não estava em Brasília durante os atos de 8 de janeiro e pediu absolvição de todos os crimes.
Ausência de provas e falta de conexão com Bolsonaro
Hassan Magid, defensor do policial federal Marcelo Araújo Bormevet, argumentou que seu cliente deixou a Abin no fim de 2022 e nunca integrou a equipe de segurança do ex-presidente Jair Bolsonaro. O advogado sustentou que as condutas atribuídas a Bormevet não se enquadram nos tipos penais descritos na denúncia.
Magid alegou que o acusado nunca utilizou o sistema First Mile durante o período indicado pela PGR e que não há nos autos nenhuma mensagem em que Bormevet defenda ameaça contra o governo democraticamente eleito ou a abolição do Estado Democrático de Direito. Segundo a defesa, também não existe qualquer evidência de que o réu tinha conhecimento da existência de eventual organização criminosa. O advogado pediu a absolvição do cliente ou, subsidiariamente, a redução das penas.
Diego Ricardo Marques, que defende o coronel do Exército Reginaldo Vieira de Abreu, sustentou que a defesa foi impedida de inquirir o general Mário Fernandes sobre fatos apontados pela denúncia, já que o relator negou o pedido por ele ser corréu na ação penal. O advogado reconheceu que mensagens trocadas pelo coronel sobre opiniões políticas foram “infelizes”, mas argumentou que isso não poderia imputar crimes ao militar.
Pedidos de absolvição encerram sustentações
Marques negou que o coronel tenha tentado interferir no relatório sobre as urnas eletrônicas e afirmou que não há nos autos nenhuma prova sobre essa acusação.
Em sua fala, Diego procurou demonstrar um desencontro entre o relatorio da PF e o que o PGR apontou na denúncia, destacando confusão de datas, número de impressão de documentos e ausência de participação de Reginaldo Vieira em reunião da qual não participou. O defensor requereu a absolvição integral do réu, encerrando a rodada de sustentações orais dos réus do Núcleo 4.
O presidente da Primeira Turma, ministro Flávio Dino, anunciou que o julgamento será retomado na próxima terça-feira (21), com os votos dos ministros e a dosimetria das penas em caso de condenação.