Da Redação
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) manteve a condenação do laboratório Eli Lilly do Brasil ao pagamento de indenizações por danos morais, estéticos e materiais à filha de um operador de produção que trabalhou por sete anos numa unidade fabril da empresa em Cosmópolis, no interior de São Paulo. O homem foi exposto a substâncias químicas tóxicas que levaram a filha a nascer com sequelas graves.
No julgamento, os ministros consideraram que se está comprovada cientificamente a relação entre as condições de trabalho e as malformações congênitas da criança, é possível aplicar a responsabilidade objetiva da empresa pela situação da criança decorrente do risco da atividade.
Responsabilidade objetiva e subjetiva
O colegiado decidiu que, da mesma forma, também pode ser aplicada a responsabilidade subjetiva, pela negligência constatada no ambiente de trabalho. Além disso, a Eli Lilly do Brasil terá de fornecer plano de saúde vitalício e cadeira de rodas e custear as despesas médicas devidamente comprovadas.
Conforme consta no processo, o pai da criança foi operador de produção química na Eli Lilly no período entre 1988 a 1995, onde atuou em contato contínuo com solventes orgânicos, aromáticos e compostos clorados que tiveram efeitos em sua própria saúde. Em ação trabalhista, ele relatou que desenvolveu distúrbios neurológicos e comportamentais (tais como pânico, ansiedade, perda de memória e concentração), bem como hipertensão arterial, mialgias, dores articulares e hepatite química, entre outros problemas.
Mielomeningocele e hidrocefalia
Em 1994, a filha nasceu com mielomeningocele e hidrocefalia, defeitos graves de fechamento do tubo neural. Esse tubo, que dá origem ao cérebro e à medula espinhal, se forma nas primeiras semanas da gestação. Quando o fechamento não ocorre de forma adequada, surgem malformações com impacto motor, neurológico e funcional permanente.
Em setembro de 2013, exames confirmaram a contaminação do pai e da filha e a intoxicação com metais pesados e agentes cancerígenos, mutagênicos e teratogênicos (que causam danos ao desenvolvimento do embrião ou feto). Foi quando ele então entrou na Justiça com o pedido de reparação.
Agentes tóxicos
A perícia médica apontou que diversos agentes presentes no ambiente fabril podem interferir no desenvolvimento embrionário e ocasionar malformações congênitas. Mas no caso em questão, o laudo concluiu que a combinação entre predisposição genética e exposição ambiental caracterizou uma concausa relevante, ou seja, uma causa concomitante que se somava a possível predisposição.
A perícia registrou, ainda, a possibilidade de exposição indireta da mãe, diagnosticada com câncer de mama. Ela lavava as roupas e os calçados do trabalhador, impregnados pelos compostos tóxicos. A Eli Lilly negou qualquer relação entre as atividades do pai na fábrica e as sequelas da criança e apontou a presença de fatores como a predisposição genética e as condições de saúde dos pais como motivos para a condição da filha.
Perícias e pareceres médicos
No Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região — TRT-15, localizado em Campinas (SP) — os desembargadores trabalhistas consideraram consistente o conjunto de provas, formado por perícias ambientais, pareceres médicos e registros de exposição química. Assim, concluíram que havia risco relevante e falhas preventivas no ambiente de trabalho.
O TRT-15 condenou a empresa a pagar R$ 200 mil por danos morais e R$ 100 mil por danos estéticos ao casal, além de pensão mensal vitalícia, plano de saúde, cadeira de rodas e despesas médicas. A Eli Lilly recorreu ao TST, mas durante o julgamento, realizado a 7ª Turma da Corte trabalhista, foi mantida integralmente a decisão do TRT-15.
Falhas na redução do risco
Para o relator do caso no Tribunal, ministro Cláudio Brandão, “a atividade desenvolvida na unidade de Cosmópolis envolvia manipulação rotineira de substâncias químicas potencialmente lesivas, caracterizando risco especial superior ao enfrentado pela coletividade”.
O ministro ressaltou, no seu relatório/voto, que o TRT registrou falhas no cumprimento do dever constitucional de reduzir os riscos do trabalho. “Se, em virtude desse risco, foram causados danos reflexos em decorrência da transmissão genética aos descendentes, a responsabilidade objetiva se impõe”, afirmou. “Se o ambiente de trabalho com agentes contaminantes é decorrente das atividades econômicas das empresas farmacêuticas, são elas que devem assumir os riscos de suas atividades”, acrescentou.
Meio ambiente do trabalho
De acordo com o relator, o caso se relaciona com o meio ambiente do trabalho como sistema, por envolver normas de naturezas distintas da trabalhista, mas que se interligam no que diz respeito à proteção da saúde do trabalhador e seus descendentes.
Brandão lembrou que, conforme constatado numa ação civil pública, “um imenso número de empregados” desenvolveu doenças relacionadas à contaminação do meio ambiente do trabalho em que funcionava o laboratório. “Os danos são persistentes e permanentes e atingem a geração nascida após a exposição dos ascendentes aos agentes químicos presentes nos produtos fabricados pelas empresas”, concluiu.
Dessa forma, por unanimidade, os integrantes da turma votaram conforme o voto do relator. O processo julgado foi o Agravo em Recurso de Revista (RRAg) Nº 0011245-11.2014.5.15.0087.
— Com informações do TST



