Por Hylda Cavalcanti
Dentro de exatos três meses, mais de 20 mil ações de improbidade administrativa irão fatalmente prescrever. Por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), os tribunais de Justiça de todo o País terão obrigatório que julgar todos os processos iniciados antes de 2021 que não passaram por determinadas fases de tramitação e ainda estão pendentes de julgamento consiste em uma jornada absolutamente impossível para os TJs — já que alguns deles levam mais de seis anos para julgar um recurso.
A impossibilidade material de julgar em massa as ações nestas condições, que estão próximas de prescrever, tem sido criticada por grande número de juristas, acadêmicos e operadores do Direito. A prescrição tem sido vista como um ponto de inflexão negativa para o efetivo controle da probidade na administração pública.
De acordo com o promotor de Justiça Carlos Fernandes Júnior, do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), ao redefinir o marco temporal a legislação alterou a dinâmica dos processos, especialmente no que se refere à necessidade de julgamentos céleres em um sistema notoriamente congestionado.
Julgamento de mérito
“Apenas desprezando-se a atual realidade dos corredores forenses permite-se admitir como plausível a ocorrência do julgamento de mérito de uma ação de improbidade administrativa em segunda instância, com tramitação processual inferior a quatro anos, a contar da data de sua propositura”, afirmou em artigo sobre o tema.
Fernandes Júnior destacou que “na literalidade com que é apresentada pela Lei nº 14.230/21, a prescrição intercorrente pode comprometer a confiança da sociedade na efetividade do combate à corrupção e na tutela do patrimônio público”.
“Outro aspecto relevante é o impacto sobre a gestão dos recursos públicos. Ao restringir o tempo disponível para a aplicação de sanções contra agentes ímprobos, a legislação pode fragilizar a efetiva responsabilização — e até desconstituir qualquer efeito dissuasório à prática da ‘sangria’ delituosa dos cofres públicos, alertou o representante do MP.
Ele chamou a atenção, ainda, para que seja feito um debate aprofundado sobre o mecanismo de prescrição, “para que não se torne motivo de fragilização quanto à defesa da probidade no País, ou um estímulo à impunidade”.
Culpados ilesos
De forma assemelhada pensam o doutorando e mestre em Direito e Políticas Públicas Murilo Laureano Pinto, servidor do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e o mestre em Administração Pública Fabiano Angélico.
“Se tudo se mantiver como está, um número bastante elevado de eventuais culpados por atos de improbidade sairá ileso pela demora do Estado em julgá-los”, afirmou Pinto, em artigo acadêmico para a Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Murilo Pinto e Fabiano Angélico destacaram que a atualização da Lei de Improbidade, em 2021, aumentou nominalmente o prazo para a incidência de prescrição “principal”, que é o prazo para o Ministério Público dar início à ação. No entanto, a nova lei mudou a forma de contagem desse prazo, fixando-o em 8 anos a partir do cometimeto da infração.
Etapas do processo
Mas nao foi apenas isso. A nova lei criou hipóteses da chamada “prescrição intercorrente”. Isso significa que, quando o processo não alcança certas etapas em um determinado período, a punição não poderá mais ser buscada.
Em outras palavras, depois de iniciada a ação, são quatro as etapas que precisam ser vencidas dentro do exíguo prazo lega de quatro anos: publicação da sentença condenatória, publicação da decisão ou acórdão condenatórios do Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal, publicação da decisão ou acórdão condenatórios do STJ e publicação da decisão ou acórdão condenatórios do Supremo Tribunal Federal (STF).
Assim, se a sentença, por exemplo, condenar um agente político por improbidade, mas o recurso da defesa não for julgado em quatro anos pelo Tribunal, haverá prescrição intercorrente. “Pior ainda: se a sentença for absolutória, o prazo estará sendo contado desde o início da ação, e mesmo que equivocada, essa ação não poderá mais ser corrigida pelo tribunal”, informaram os dois juristas.
“Imagine que o processo tramite por três anos e meio na primeira instância, envolvendo toda a produção de provas, testemunhos, perícias etc. O tribunal terá apenas seis meses para reverter o eventual erro do juiz. Se mantiver a sentença absolutória, mesmo de forma contrária à Constituição ou à lei federal, o STJ e o STF não terão qualquer chance temporal de reverter o equívoco”, detalharam.
Ação no STF
O STF pode retomar o julgamento da ação que questiona pontos da nova Lei de Improbidade Administrativa, o que leva a uma pequena esperança de mudança na norma. A despeito de a Corte já ter definido o marco temporal para a prescrição, uma ação da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) ajuizada em setembro de 2022 ainda não foi julgda. Entre outros pontos da legislação, ela também questiona os prazos prescricionais.
Uma esperança pequena: em um período de pauta tão atribulada e de julgamentos emblemáticos a ponto de envolverem generais e um ex-presidente da República, é pouco provãvel que o Supremo consiga se deter sobre esse assunto antes que as prescrições em massa aconteçam, dentro de três meses.