Da Redação
O ministro Gilmar Mendes, presidente da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), realizou nesta segunda-feira (11) um discurso de boas-vindas ao ministro Luiz Fux, que passa a integrar o colegiado. Em pronunciamento oficial, Mendes destacou a vocação histórica da Turma na defesa das liberdades individuais e na construção de importantes precedentes jurídicos que marcaram a história recente do país.
Durante a cerimônia, o decano do STF enfatizou que Fux se torna herdeiro de “uma tradição e de uma responsabilidade históricas de custodiar os princípios estruturantes da democracia constitucional brasileira”. Mendes aproveitou a ocasião para fazer um extenso resgate da memória institucional do colegiado, especialmente no período marcado pela Operação Lava-Jato, quando a Segunda Turma atuou como contraponto ao que chamou de “autoritarismo penal”.
Turma como guardiã do habeas corpus e das garantias fundamentais
O presidente da Segunda Turma relembrou decisões emblemáticas que reforçaram a amplitude protetiva do habeas corpus. Entre os casos citados está o (HC) 143.641, julgado em 2018, quando a Turma concedeu ordem coletiva para substituir prisão preventiva por domiciliar para mulheres gestantes e mães. Para Mendes, o caso evidenciou “a face humanitária da jurisdição constitucional”.
O ministro também destacou o papel do colegiado no desenvolvimento do sistema de precedentes vinculantes que caracteriza o ordenamento jurídico brasileiro após as leis 9.868/99 e 9.882/99. Exemplificou com o RE 1.558.191, em que a Turma, por unanimidade, definiu parâmetros para uso da taxa Selic na correção de dívidas civis, seguindo entendimento do ministro André Mendonça sobre o julgamento da ADC 58.
Outro precedente mencionado foi a decisão que reafirmou a Reforma Trabalhista, mantendo a exigência de que pedidos sejam certos e determinados. Na RCL 77.179, o colegiado afastou instrução normativa do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que esvaziava esse dispositivo, decisão que, segundo Mendes, trouxe racionalidade para a Justiça do Trabalho e favoreceu a economia.
Resistência à Lava-Jato e crítica às prisões preventivas
Gilmar Mendes dedicou parte de seu discurso para criticar o que classificou como “erosão das garantias processuais penais” durante o auge da Operação Lava-Jato. O ministro afirmou que a Segunda Turma se consolidou como “instância jurisdicional fielmente comprometida com a preservação das garantias individuais contra o autoritarismo penal ardilosamente forjado” naquele período.
Uma das principais preocupações levantadas foi a instrumentalização da prisão preventiva como mecanismo de coerção processual. Mendes argumentou que a prática de utilizar a segregação cautelar para obter colaborações premiadas representou uma “subversão fundamental”, transformando a liberdade de direito fundamental em “moeda de troca processual”. O ministro revelou que já em 2017 havia manifestado preocupações com as prisões prolongadas em Curitiba.
A Segunda Turma estabeleceu, ao longo dos anos, padrões probatórios mais rigorosos, invalidando prisões baseadas exclusivamente em delações não corroboradas. No Inquérito 4419, julgado em 2018, o colegiado firmou jurisprudência que foi posteriormente incorporada à legislação pelo chamado Pacote Anticrime, que alterou a Lei 12.850/2013.
A Segunda Turma também construiu um verdadeiro regime jurídico constitucional para as colaborações premiadas, impondo controles ausentes da disciplina legal. Foi reconhecida a legitimidade de terceiros prejudicados para impugnar acordos, no HC 142205, superando a visão bilateral-contratualista. Ainda em 2019, o colegiado garantiu que delatados apresentem alegações finais após os delatores, assegurando a ampla defesa.
Caso Moro e a declaração de suspeição histórica
Gilmar Mendes lembrou o julgamento do (HC) 164.493, em março de 2021, quando a Segunda Turma declarou a suspeição do ex-juiz Sergio Moro. Para o ministro, a decisão representou “um divisor de águas” na história jurídica brasileira, sendo “o desnudamento de uma metodologia de subversão do sistema acusatório”.
Mendes afirmou que o acórdão não foi apenas uma correção processual, mas “o desvelamento de como o aparato de justiça foi convertido em instrumento de um projeto político, camuflado sob a nobre bandeira do combate à corrupção”. A decisão foi posteriormente mantida pelo Plenário do STF em junho de 2021, após afetação da competência de Curitiba nas ações contra o ex-presidente Lula.
Para o decano, ao acumular todos esses precedentes, a Segunda Turma aderiu à tradição de Cortes Constitucionais que, em momentos de excepcionalidade, escolheram “a preservação dos princípios fundamentais sobre a conveniência pragmática”. O ministro encerrou seu discurso destacando a trajetória de Fux na magistratura e sua produção acadêmica como credenciais que o colocam “plenamente à altura do desafio” de integrar o colegiado.



