Por Hylda Cavalcanti
Apesar de estar em plena investigação pela Polícia Federal, e até agora sem comprovação do envolvimento direto de ministros no esquema de venda de decisões por parte de Tribunais de Justiça e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), empresas e pessoas que interpuseram recursos junto ao Tribunal estão apresentando pedidos à Corte para mudança de relator, sob alegação de suspeição.
Fontes da área processual da Corte indicam que pelo menos oito solicitações desse tipo foram protocoladas desde o ano passado. Os pedidos mencionam a necessidade de afastar ministros cujos gabinetes tiveram servidores investigados, ainda que sem provas de participação dos magistrados.
Durante o primeiro julgamento de um desses requerimentos, nesta terça-feira (14/10), o STJ fixou entendimento claro: a simples investigação de servidores não implica suspeição dos ministros aos quais estavam subordinados. A decisão foi vista como uma reafirmação da confiança institucional e da independência dos julgadores.
Questão delicada
A questão é delicada e diz respeito a um grande escândalo que vem sendo apurado desde 2023 sobre o Judiciário. As investigações são realizadas em vários estados, principalmente o Mato Grosso. Envolve Tribunais de Justiça, servidores, juízes, desembargadores, advogados e empresários. E, também, servidores de gabinetes do STJ — alguns afastados, outros já demitidos.
Na última semana, a Polícia Federal pediu ao relator do processo sobre o tema no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Cristiano Zanin Martins, a prorrogação das investigações. E divulgou parte do relatório referente a apurações feitas sobre fraudes realizadas por integrantes do esquema para conseguir a recuperação judicial de empresas do Agronegócio no Judiciário, mas o esquema envolve fraudes para manipular decisões em processos voltados para vários setores.
Um dos pontos que suscitou curiosidade em muita gente, com o vazamento do mais recente trecho do relatório, foi o fato de as investigações, que correm sob sigilo, terem apontado para a suspeita de participação de uma advogada que é filha de ministro ou ministra de Tribunal superior. Mas tudo ainda é tratado como mera suspeita.
Sem suspeição
Por isso, no julgamento do Pedido de Exceção de Suspeição (ExSusp) Nº 316, o colegiado da 2ª Seção do STJ decidiu, por unanimidade, que “o fato de existir uma investigação policial em curso para apurar supostos delitos de servidores lotados em gabinetes de ministros do STJ não configura, por si só, causa de suspeição dos magistrados”.
Os ministros chegaram a chamar de “oportunismo” o fato de partes em recursos ajuizados na Corte superior terem apresentado pedidos para mudança de relatoria, em função de investigações contra servidores dos gabinetes desses ministros. E alegaram que não é possível, nessas hipóteses, existir “suspeição processual genérica”
Nancy Andrighi
No processo julgado esta semana, a ministra cuja suspeição foi solicitada é considerada uma das mais respeitáveis e experientes do tribunal: Nancy Andrighi. Mas sabe-se que há também pedidos semelhantes sobre processos que estão sob a relatoria da ministra Isabel Gallotti.
Isto porque um dos servidores acusados de integrar o esquema, demitido no ano passado, trabalhou no gabinete de ambas. No recurso, o autor argumentou que apesar de Nancy Andrighi não ser objeto de investigação, o suposto envolvimento de servidores de seu gabinete em práticas ilegais já deveria acarretar na suspeição da magistrada.
Andamento do caso
O pedido para a magistrada deixar a relatoria do recurso foi rejeitado, inicialmente, pela própria ministra relatora. Inconformado, o autor do processo apresentou pedido de exceção de suspeição, que teve como relator o ministro Humberto Martins. O pedido também foi rejeitado por Martins em decisão monocrática (individual) até que, essa semana, a Seção confirmou a posição do relator.
Conforme o STJ, as hipóteses de suspeição do julgador estão taxativamente dispostas no artigo 145 do Código de Processo Civil (CPC), além da possibilidade de o próprio magistrado se considerar suspeito para relatar determinado processo por questões de foro íntimo.
Sem nada comprovado
Mas, no caso em questão, os ministros afirmaram que “não existe alegação minimamente comprovada de amizade íntima ou inimizade com as partes ou advogados; recebimento de presentes; aconselhamento; relação de crédito ou débito; ou interesse da julgadora no resultado”.
“O mero fato de existir investigação policial em curso, direcionada a apurar supostos delitos de servidores públicos então lotados no gabinete da ministra, sem imputação à magistrada, não configura, por si só, causa de suspeição”, ressaltou ainda o relatório/voto do ministro Humberto Martins.
Desgastante para os magistrados
Ele também lembrou que a apuração da Polícia Federal, que está em curso, “nada apresenta que leve a qualquer comprometimento da imparcialidade dos ministros do STJ”.
A ministra Nancy Andrighi chegou a afirmar, numa das poucas vezes em que mencionou o caso, que está convicta da sua possibilidade de julgar o recurso, mas destacou que um pedido desses é desgastante não apenas para ela como também para o Tribunal como um todo. Já a ministra Isabel Gallotti não se pronunciou a respeito.
— Com informações do STJ e do STF