Da Redação
A Justiça Federal condenou a Caixa Econômica Federal (CEF) a pagar indenização de R$ 50 mil por danos morais a um servente de pedreiro negro, de 28 anos, vítima de discriminação racial em uma agência bancária de Torres, no Rio Grande do Sul. A decisão, proferida no início da semana, pela juíza Camila Lapolli de Moraes, da 4ª Vara Federal de Criciúma (SC), considerou comprovado o tratamento desigual sofrido pelo trabalhador.
O caso ocorreu em maio de 2023, quando o servente tentou entrar na agência usando botinas com ponteira metálica – equipamento de proteção individual (EPI) obrigatório na construção civil. Após quatro tentativas frustradas de passar pela porta giratória, ele foi obrigado pelo vigilante a retirar os calçados e permaneceu descalço durante todo o atendimento.
Minutos depois, seu colega de trabalho, de pele clara e usando calçados idênticos fornecidos pela mesma empresa, teve a entrada liberada sem qualquer restrição. As imagens do circuito interno da agência e os depoimentos em juízo, incluindo o do próprio colega, confirmaram a sequência dos fatos.
Discriminação direta e velada
Na sentença, a magistrada foi enfática ao caracterizar a conduta como discriminação racial direta. “Ao exigir que o autor retirasse os sapatos e permanecesse descalço, sem lhe permitir recolocá-los mesmo após constatar que não representavam qualquer risco à segurança, deixando de utilizar a prerrogativa de liberar o acesso manualmente – ainda que, para tanto, fosse necessário acionar a gerência – e, em seguida, autorizar o ingresso de colega de trabalho, de pele mais clara, calçando sapatos idênticos, sem qualquer justificativa plausível para o tratamento desigual, incorreu a instituição ré em inequívoca prática de discriminação direta”, afirmou Camila Moraes.
A juíza destacou que, mesmo sem manifestação expressa de cunho racista, a análise do contexto e do tratamento desigual revela a prática discriminatória. “No Brasil, a discriminação racial nem sempre se manifesta de forma ostensiva. Frequentemente, o preconceito, arraigado em estruturas sociais e culturais, emerge de modo velado, como balizador de tratamento desigual entre pessoas que se encontram em idênticas condições”, observou.
Defesa da CEF foi rejeitada
A Caixa Econômica Federal tentou se defender alegando que os calçados utilizados pelos dois trabalhadores seriam confeccionados com materiais distintos, o que justificaria o travamento da porta giratória apenas no primeiro caso. O argumento foi rejeitado pela magistrada, que classificou a alegação como genérica e sem respaldo probatório.
“É razoável presumir que EPIs idênticos, fornecidos a trabalhadores de uma mesma empresa de construção civil, sejam produzidos com o mesmo material. Assim, tendo o calçado do autor provocado o travamento da porta, isso deveria ter ocorrido com o de seu colega, o que não se verificou”, destacou a juíza.
Ela também ressaltou a estranheza do fato de o vigilante não ter acionado a gerência para liberar manualmente o acesso do primeiro trabalhador, procedimento que poderia ter evitado a situação vexatória. “Causa estranheza o fato de o autor ter sido submetido à situação vexatória descrita, enquanto seu colega adentrou livremente na agência, minutos depois, utilizando o mesmo EPI fornecido pela empresa empregadora”, pontuou.
Discriminação estrutural
Na fundamentação da sentença, Camila Moraes abordou a questão da discriminação estrutural no Brasil, explicando que a vítima foi “intencionalmente tratada de forma desigual, com base em critério diferenciador ilegítimo – no caso, a raça”.
O processo tramitou no Juizado Especial Federal (JEF) Cível da Unidade Avançada de Atendimento de Araranguá (SC) e foi julgado pela 4ª Vara Federal de Criciúma. A Caixa Econômica Federal ainda pode recorrer da decisão.
A condenação reforça o entendimento jurídico de que instituições financeiras e seus prepostos respondem por práticas discriminatórias, mesmo quando não há manifestação explícita de preconceito, mas o tratamento desigual evidencia o racismo estrutural presente na sociedade brasileira.



