Da Redação
Após dias de ocupação simbólica da Mesa Diretora da Câmara, parlamentares da oposição agora concentram suas forças na tramitação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que propõe o fim do foro privilegiado. A justificativa pública é encerrar o que chamam de “privilégios judiciais” para autoridades, mas nos bastidores a proposta também mira em proteger Jair Bolsonaro e aliados de julgamentos diretos no Supremo Tribunal Federal (STF).
A medida é liderada por nomes do PL, com forte articulação de Flávio Bolsonaro e do deputado Sóstenes Cavalcante. O plano foi apresentado como uma das condições para a desocupação da Mesa da Câmara, ocorrida na terça-feira (6). A oposição afirma que o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), se comprometeu a pautar a proposta já na próxima semana.
Contudo, esse suposto acordo não foi formalizado publicamente. Em seu primeiro discurso após reassumir o comando dos trabalhos, Motta usou um tom cuidadoso: afirmou que vai seguir as decisões do Colégio de Líderes, sem assumir o compromisso direto com nenhuma pauta específica da oposição.
Sem apoio claro da esquerda
Ao contrário do que alguns discursos bolsonaristas sugerem, a esquerda não parece estar embarcando nessa agenda. Partidos como PT, PSOL e PCdoB vêm criticando as motivações da PEC, embora historicamente alguns de seus quadros já tenham defendido o fim do foro em outras circunstâncias. Neste momento, porém, o receio é de que a proposta funcione como blindagem para figuras investigadas no âmbito da ação sobre o 8 de Janeiro ou de escândalos envolvendo a gestão Bolsonaro.
A leitura da esquerda é de que a PEC, embora embalada num discurso de moralização da política, pode enfraquecer o combate à corrupção ao tirar dos tribunais superiores a responsabilidade sobre julgamentos de autoridades. Além disso, a mudança poderia gerar insegurança jurídica e judicializar ainda mais o trabalho de promotores e juízes de primeira instância.
Sem o apoio do governo e da maioria dos partidos progressistas, a tramitação da proposta pode esbarrar em dificuldades práticas, mesmo que ganhe espaço simbólico no debate público. Ainda assim, os bolsonaristas devem continuar usando o tema como instrumento de pressão.
Hugo Motta no centro do impasse
A atuação do novo presidente da Câmara, Hugo Motta, tem sido observada com lupa por diferentes alas do Congresso. Alçado ao cargo em meio à crise institucional que atingiu Arthur Lira, Motta tenta equilibrar os interesses da oposição bolsonarista e da base do governo Lula. Seu discurso ambíguo sobre a pauta do foro privilegiado reflete esse esforço.
Motta não confirmou que pautará a PEC, mas também não negou que essa possibilidade esteja sobre a mesa. “Vamos discutir todas as pautas com os líderes. A Casa é soberana”, disse. A frase, embora protocolar, foi interpretada por bolsonaristas como uma vitória parcial — e por governistas como um sinal de cautela.
A situação se torna ainda mais delicada diante da insistência da oposição em também pautar uma anistia aos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro. A articulação dessas duas propostas — anistia e fim do foro — forma o cerne da pressão da extrema direita sobre a nova mesa diretora da Câmara.