Por Carolina Villela
O Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, apresentou nesta terça-feira (14) sua sustentação oral no julgamento do núcleo de desinformação da tentativa de golpe de 2022, destacando que os réus utilizaram indevidamente a estrutura do Estado para gerar desconfiança nas instituições democráticas. Durante a exposição na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), Gonet detalhou como os acusados fabricaram e disseminaram narrativas falsas para criar um ambiente favorável à ruptura institucional, capitalizando uma guerra informacional crescente contra os poderes constituídos.
O procurador-geral pediu a condenação dos sete réus e enfatizou que os integrantes da organização criminosa assumiram o risco das condutas criminosas e respondem pela totalidade dos ilícitos cometidos, uma vez comprovada a prática de ações concretas dirigidas aos fins buscados pelo grupo.
Segundo Paulo Gonet, a comprovada influência exercida pelos acusados sobre grupos civis reforça a natureza premeditada e provocada do levante de 8 de janeiro. Os réus agiram com o intuito deliberado de acirrar ânimos populares e criar as condições necessárias para atos de violência contra as instituições democráticas brasileiras.
Judiciário tornou-se alvo de grupos autoritários
Paulo Gonet ressaltou que o Judiciário, especialmente o STF e a Justiça Eleitoral, tornaram-se alvos necessários para a estratégia de grupos autoritários, já que essas instituições são essenciais para o equilíbrio democrático. O procurador defendeu que os tribunais, para cumprir seu papel, não decidem segundo o sentimento político de eleitores, mas em função da necessidade de proteger e promover os valores e princípios permanentes da Constituição.
Segundo a acusação, os integrantes do núcleo se dedicaram a fabricar e disseminar narrativas falsas com o intuito de incutir na população a convicção de que a estrutura democrática estaria se voltando contra o povo. As campanhas promovidas pelos acusados foram essenciais para o levante popular contra as instituições democráticas, conforme demonstrado pelas provas dos autos.
Gonet explicou que, inicialmente, os réus utilizaram estruturas do Estado para gerar na população um sentimento de desconfiança em relação às instituições. Em seguida, as mídias sociais foram inundadas com desinformações sobre autoridades públicas e sobre o sistema eleitoral. Nesse setor da organização criminosa, foram relevantes as contribuições do agente da Polícia Federal Marcelo Bormevet, Carlos César Moretzsohn Rocha, presidente do Instituto Voto Legal e de Ângelo Martins Denicoli, major da reserva do Exército.
Organização manteve narrativas após derrota eleitoral
Uma vez verificado o resultado favorável às campanhas de desinformação, sobretudo diante das mobilizações populares após a derrota eleitoral de Jair Bolsonaro, o grupo manteve a tática. Os réus perpetuaram narrativas infundadas de fraude eleitoral, buscando, com aparência técnica, legitimar futuras medidas de exceção contra a ordem constitucional.
Segundo a acusação, na ofensiva contra as instituições democráticas, os primeiros atos da organização criminosa se concentraram na criação e disseminação de ataques infundados ao sistema eleitoral. Isso ocorreu nas lives de 29 de julho, 4 de agosto e 18 de agosto de 2021, além dos discursos proferidos por Bolsonaro em 7 de setembro de 2021. A organização percebeu que a estrutura democrática somente poderia ser corroída se fossem arrebatados a confiança e o apoio popular.
O procurador-geral destacou que o grupo agiu para imprimir a sensação de que algo estava errado com o sistema eleitoral, para que as medidas de exceção fossem toleradas pela sociedade. Para isso, usaram indevidamente a estrutura do Estado para manipular e distorcer informações sobre o processo democrático.
ABIN Paralela coordenou monitoramento ilegal
Gonet deu especial ênfase às contribuições do policial federal Marcelo Bormevet e do subtenente do Exército Giancarlo Gomes Rodrigues, dentro da estrutura denominada ABIN Paralela, coordenada pelo então diretor-geral Alexandre Ramagem.
“Comprovou-se que os acusados agiram de forma coordenada com o núcleo central da organização criminosa, o centro da produção e disseminação de notícias falsas, contra os mesmos alvos apontados publicamente por Jair Bolsonaro, a fim de enfraquecer o prestígio popular das instituições democráticas, tornando mais fáceis as medidas”, afirmou.
As informações compiladas em 2 de agosto de 2021 serviram de fonte para que, dias depois, Marcelo Bormevet e Giancarlo Gomes Rodrigues produzissem informações inverídicas relacionadas aos ministros do STF Luís Roberto Barroso e Luiz Fux. O objetivo era desacreditá-los e falsamente difundir vícios do processo eleitoral, com vistas a gerar a convicção de que o resultado não deveria ser respeitado.
Segundo Gonet, as pesquisas sobre urnas eletrônicas e autoridades do STF mostravam-se completamente alheias aos focos legítimos da Agência Brasileira de Inteligência. “Não transpareciam, para justificá-las, mínimas falas prováveis de ordem republicana, que demonstravam abertamente medidas arbitrárias inspiradas por projetos particulares e legítimos do poder”.
Engajamento permaneceu constante até 8 de janeiro
O procurador afirmou que o engajamento dos acusados contra as instituições democráticas, apesar de iniciar em 2021, permaneceu constante durante todo o desenvolvimento do percurso criminal. Diálogos posteriores comprovaram que Marcelo Bormevet e Giancarlo Gomes Rodrigues seguiram acompanhando de perto e ativamente as ações da organização criminosa, cientes das movimentações adotadas para a decretação das medidas de exceção.
Quanto a Ângelo Denicoli, Gonet ressaltou que ele trabalhou de forma similar, em parceria com Alexandre Ramagem, desde o começo dos ataques sistemáticos ao processo eleitoral. Entre os arquivos digitais encontrados com Ramagem, um documento titulado “BomDiaPresidente.docx” revelou a posição de confiança ocupada por Denicoli em estreitos contatos com o núcleo central da organização criminosa.
A função de Denicoli dentro da organização criminosa era clara: cabia-lhe converter narrativas infundadas em dados aparentemente confiáveis. O procurador esclareceu que é irrelevante que essas informações tenham sido concluídas após o oferecimento da denúncia, pois as medidas investigativas decorriam desde 2021. Esses elementos apenas reforçam a imputação e não há necessidade de aditamento da denúncia inicial.
Guilherme Almeida divulgou conteúdo falso em massa
Sobre Guilherme Marques Almeida, Gonet comprovou que ele atuou na divulgação massiva do conteúdo falacioso preparado pela organização criminosa e divulgado pelo conferencista argentino Sérgio Fernández. As alegações finais da PGR detalham as táticas empregadas por Almeida para garantir o alcance máximo do conteúdo produzido pelo grupo.
À época, Guilherme Marques Almeida estava lotado no Comando de Operações Terrestres, fato que potencializou sua capacidade de articulação e disseminação das mensagens enganosas. O procurador citou falas e mensagens de Almeida que comprovariam a disposição do acusado de agir e manobrar populares contra as instituições democráticas.
Para Gonet, essas mensagens antecipam com exatidão a movimentação verificada em 8 de janeiro de 2023, quando as sedes dos Três Poderes foram invadidas e depredadas. Na ocasião, os manifestantes exclamavam por intervenção militar, o que demonstra a ligação direta entre o discurso do acusado e os atos concretos praticados naquele dia.
Coronel forneceu dados falsos sobre urnas
Sobre Reginaldo Vieira de Abreu, coronel do Exército que ocupava, à época dos fatos, o cargo de chefe de gabinete do então secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência da República, Mário Fernandes, Gonet afirmou que ele contribuiu de forma relevante para o enfraquecimento do Estado Democrático de Direito.
As mensagens encontradas pela Polícia Federal comprovaram que Reginaldo atuou para “alinhar” — expressão usada pelo próprio acusado — o conteúdo do relatório produzido no âmbito das Forças Armadas sobre alegações de fraudes nas urnas eletrônicas. De acordo com a acusação, ele forneceu dados falsos, baseados em informações apresentadas por um grupo argentino, buscando conferir aparência técnica e semelhança internacional às acusações infundadas.
Gonet citou mensagens em que o coronel sugeriu que Bolsonaro fizesse uma reunião apenas com o grupo disposto a atuar à margem da legalidade e da moralidade, pessoal que denominou de “rataria”, excluindo pessoas que chamou de “acima da linha da ética”.
Vieira também é acusado de ter impresso o documento que tratava das medidas de exceção que seriam adotadas pela organização criminosa, após a ruptura institucional, prevista para ocorrer no dia 16 de dezembro de 2022.
Presidente do Instituto Voto Legal é acusado de manipular dados
A PGR Sobre Carlos César Rocha de colaborar para que dados falsos e manipulados pelo grupo servissem para a tese de que Jair Bolsonaro havia vencido as eleições de 2022m uma vez que teria obtido 51% dos votos nas urnas válidas.
Segundo Gonet, o relatório falso dizia que as determinadas urnas eram viciadas e deveriam ter os resultados desprezados. O Instituto Voto Legal foi contratado pelo PL para fazer auditoria do funcionamento das urnas eletrônicas.
Gonet afirmou que ficou comprovado que o relatório se baseou em “deturpação de dados” para comprovar falsamente a idoneidade das urnas. Carlos Rocha buscava imprimir a narrativa de que a Justiça Eleitoral se recusava injustiçadamente anular as eleições.
Por fim, Paulo Gonet ratificou a condenação dos sete réus.