Por Jeffis Carvalho
O projeto Catrapovos Brasil, uma Iniciativa do MPF, garante alimentação culturalmente adequada a 20 mil estudantes no país, reduz desnutrição infantil em aldeias e movimenta mais de R$ 11 milhões entre 2019 e 2024 na compra de alimentos direto dos produtores para a merenda escolar. Apenas no Amazonas, mais de 200 escolas foram atendidas, beneficiando cerca de 20 mil estudantes e gerando renda para mais de mil famílias.
Com o projeto, alimentos como pirarucu, açaí, farinha de mandioca e beiju produzidos por indígenas e comunidades tradicionais estão chegando às escolas de seus territórios em todo o Brasil. O resultado é triplo: crianças mais bem alimentadas, renda para as famílias locais e preservação ambiental.
Menos desnutrição, mais cultura
A mudança no prato trouxe resultados concretos para a saúde das crianças. Pesquisadores da Universidade Federal do Amazonas avaliaram três escolas indígenas e constataram queda significativa no déficit nutricional em comparação a dez anos atrás.
“Isso é efeito direto do consumo de alimentos naturais e ligados à realidade cultural dos estudantes”, explica Celsa da Silva Moura Souza, representante da UFAM no Centro Colaborador de Alimentação Escolar e Nutrição.
A alimentação também funciona como ferramenta de preservação cultural. Antes do projeto, iniciado em 2016, as escolas recebiam produtos industrializados sem conexão com a produção e os costumes locais.
Impacto vai além da escola
O coordenador do Catrapovos Brasil, procurador Fernando Merloto Soave, destaca que o programa traz benefícios que ultrapassam a nutrição. “Além de garantir alimentação saudável para as crianças, o programa gera renda para as famílias locais e uma perspectiva para que os jovens queiram permanecer em seus territórios”, afirma.
A iniciativa também contribui para afastar os jovens de atividades criminosas comuns nessas regiões, como garimpo ilegal, desmatamento e tráfico de drogas.
Um exemplo prático: em Oriximiná (PA), onde vivem pelo menos dez etnias indígenas e 35 comunidades quilombolas, cerca de R$ 1 milhão foi destinado desde 2022 para a compra de 100 toneladas de alimentos locais.
Economia e meio ambiente
Comprar direto dos produtores também reduz custos públicos. Em regiões de difícil acesso, o transporte de alimentos da cidade pode custar cinco vezes mais que o próprio produto.
Os ganhos ambientais incluem menos lixo nas aldeias, redução no uso de combustível para transporte e valorização de um modelo de produção sem agrotóxicos ou maquinário pesado.
Desafios burocráticos superados
O projeto enfrentou obstáculos legais e burocráticos. Teve início em 2016, com a instalação da Comissão de Alimentos Tradicionais dos Povos no Amazonas (Catrapoa), após o MPF, em visita à Terra Indígena Yanomami, constatar que a alimentação escolar oferecida era inadequada. Havia muitos itens industrializados. Antes da Catrapoa, esses alimentos precisavam percorrer mais de 800 km até Manaus para regularização sanitária, tornando a logística inviável.
A comissão trabalhou para incluir produtos tradicionais nos sistemas governamentais. Itens como formigas (alimento comum para algumas etnias), óleo de castanha e tipos específicos de banana foram cadastrados na plataforma da Secretaria de Fazenda do Amazonas.
Em 2023, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação facilitou o cadastro de povos tradicionais no programa, dispensando documentos antes obrigatórios.
Expansão do programa
Criada originalmente no Amazonas como Catrapoa, a iniciativa ganhou dimensão nacional em 2021. Hoje, 19 estados contam com comissões do projeto Catrapovos.
No Pará, 57 escolas atendem 4,4 mil estudantes. Chamadas públicas também foram realizadas em Roraima, Acre, Goiás e São Paulo. No município paulista de Iporanga, alimentos quilombolas abastecem todas as escolas rurais e parte das urbanas.
O projeto se expande para além da educação, incluindo cestas básicas e unidades de saúde. Em 2023, o Programa de Aquisição de Alimentos destinou R$ 10 milhões no Amazonas para compra de produtos tradicionais, criando estoques nos próprios territórios para períodos de seca ou emergências climáticas.
Reconhecimento internacional
Em 2024, a Catrapovos foi reconhecida pela Organização Pan-Americana da Saúde como uma das 10 iniciativas mais inovadoras de nutrição e atenção básica nos municípios brasileiros. O projeto inspirou a Colômbia, que aprovou lei semelhante para promover pequenos produtores locais nas compras públicas de alimentos.
Com informações do MPF