Publicação “Pele Alvo” denuncia racismo estrutural nas ações policiais e destaca juventude negra como principal alvo da letalidade
Um total de 4.069 mortes decorrentes de intervenções policiais foi registrado em 2024 em nove estados monitorados pela Rede de Observatórios da Segurança. Destas, 86,2% eram pessoas negras, conforme aponta a 6ª edição do relatório Pele Alvo: Crônicas de Dor e Luta, divulgado nesta quinta (6/11). A publicação denuncia o viés racial da violência policial no Brasil e apresenta dados, histórias e análises que escancaram o genocídio em curso nas periferias brasileiras.
A proporção de vítimas negras – que considera pretos e pardos, segundo critérios do IBGE – é alarmante em estados como a Bahia, onde 95,7% dos mortos eram negros. Amazonas, Pará e Pernambuco também registraram índices acima de 90%. Os dados evidenciam que a cor da pele continua sendo critério tácito de suspeição, criminalização e letalidade.
Jovens negros lideram estatísticas de mortes
Mais da metade das vítimas (57,1%) tinha entre 18 e 29 anos. Houve ainda o registro de 297 crianças e adolescentes mortos. A maioria dos casos ocorreu em ações de policiamento ostensivo, principalmente da Polícia Militar, reforçando a ideia de que a juventude negra periférica é alvo preferencial do braço armado do Estado.
Estados como São Paulo, Bahia, Pará e Rio de Janeiro lideram em números absolutos de mortes de pessoas negras. O relatório aponta, ainda, que no Pará, por exemplo, as mortes cresceram 12,6% em 2024, mesmo com o estado se preparando para sediar a COP30 — o que, segundo o estudo, revela um abismo entre a imagem de sustentabilidade projetada internacionalmente e a realidade da violência nas periferias.
Racismo estatístico e invisibilidade indígena
O relatório chama atenção para a falta de registros étnico-raciais adequados nos dados oficiais. Em estados como o Maranhão, mais de 70% dos casos não informaram a raça da vítima. No Amazonas, que possui a maior população indígena proporcional do país, não há registros de vítimas indígenas, o que levanta suspeitas sobre omissão deliberada e “empardecimento” estatístico.
A ausência de dados confiáveis impossibilita o enfrentamento efetivo do problema e perpetua um sistema que invisibiliza os impactos da violência sobre indígenas, pessoas trans e outras minorias. A publicação destaca ainda o impacto da violência estatal sobre pessoas LGBTQIA+, a partir de depoimentos que relatam abordagens violentas e marcadas por preconceito.
Relatos dão rosto às estatísticas
A segunda parte do relatório traz uma série de depoimentos de sobreviventes da violência policial. Entre os relatos, destaca-se o de Itamar Silva, liderança do Morro Santa Marta (RJ), que narra desde a infância os impactos do racismo e da brutalidade policial em sua trajetória. Além dele, outros testemunhos mostram como a violência transforma vidas, mesmo quando não resulta em morte.
“Não me matou, mas mudou minha vida” é o título de um dos capítulos que reúne histórias de moradores de favelas e periferias de todas as regiões do país. Entre eles, pessoas que enfrentaram abusos desde a adolescência, sofreram agressões físicas, ameaças e hostilidade contínua.
Reivindicação por justiça e políticas públicas
Ao final, o relatório apresenta uma série de recomendações para o enfrentamento da letalidade policial, como a padronização dos dados, a responsabilização das instituições, o controle social sobre as forças de segurança e o combate estrutural ao racismo. O documento é um chamado à ação para que o Estado reconheça a violência como política e implemente medidas que garantam o direito à vida da população negra.
Com o título inspirado na música “Ismália”, de Emicida, Pele Alvo transforma dor em denúncia e exige justiça para as vítimas e sobreviventes. O relatório pode ser acessado gratuitamente no site da Rede de Observatórios da Segurança.



