Por Carolina Villela
O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar nesta quarta-feira (26) a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 973), que discute o reconhecimento da violação sistemática dos direitos fundamentais da população negra no Brasil. A ação, apresentada por sete partidos políticos – PT, PSOL, PSB, PCdoB, Rede Sustentabilidade, PDT e PV –, solicita medidas de reparação e a implementação de políticas públicas voltadas a essas pessoas. O relator, ministro Luiz Fux, julgou a ação parcialmente procedente, declarando o “estado de coisas inconstitucional” na superação das desigualdades raciais históricas.
Os partidos argumentam que existe uma violação massiva de direitos fundamentais caracterizando um “estado de coisas inconstitucional”, fundamentado no racismo estrutural e institucional. A ação aponta para a necessidade de políticas de reparação pelas ações e omissões reiteradas do Estado brasileiro ao longo da história. O ministro Fux reconheceu a ineficiência do Estado brasileiro na garantia de direitos fundamentais da população mais humilde, majoritariamente negra do país.
Plano Nacional de Combate ao Racismo
O relator determinou a revisão do Plano de Ação Interministerial para a Promoção da Igualdade Racial (Apir) ou a elaboração de um novo plano nacional de combate ao racismo institucional em caráter autônomo, observadas diretrizes específicas. Fux foi seguido pelo ministro Flávio Dino, formando um placar de dois votos favoráveis. O julgamento foi suspenso e deve ser retomado nesta quinta-feira (27) com o voto do ministro Cristiano Zanin.
As legendas destacam a violação de direitos essenciais como vida, saúde, segurança e alimentação digna. Um dos pontos críticos apresentados é o crescente aumento da letalidade de pessoas negras em decorrência de violência policial e institucional, fenômeno que demanda resposta urgente do poder público.
Fux iniciou seu voto afirmando que prefere descrever o tema como “racismo histórico”. Segundo o ministro, apesar de alguns avanços e políticas, o racismo estrutural prevalece no Brasil devido às constantes violações de preceitos fundamentais. O magistrado destacou que o STF tem adotado jurisprudência sobre o tema, reconhecendo o estado de coisas inconstitucional em ações envolvendo pessoas em situação de rua e a população carcerária.
Omissão estatal sistemática
O ministro destacou a omissão estatal sistemática no enfrentamento às violações de direitos fundamentais. Fux citou decisões da justiça americana que alimentaram a segregação e o litígio estrutural.
Luiz Fux defendeu que deve haver uma política avançada e constante para que ocorra efetivamente a promoção da destruição do racismo histórico. Mesmo com as cotas raciais, o ministro ressaltou que os negros não ocupam vagas estratégicas em órgãos públicos e em universidades. Segundo ele, essa população “não tem essa chance”, pois a carência vem de muito tempo atrás.
“Dizer que não há racismo estrutural é negar a realidade”, afirmou o ministro durante seu voto. Segundo Fux, o STF está diante de um sensível processo estrutural, e a luta pela efetividade da Constituição é obrigação de todos os poderes, não apenas do Supremo Tribunal Federal.
Relato pessoal de Fux
Fux fez um relato pessoal sobre sua relação com a causa: “Eu conheço a segregação na cor da minha pele, que não é negra, mas eu conheço esse fenômeno pelos meus ancestrais. Em segundo lugar, o malgrado tem uma origem completamente diferente. Pode ser até espantoso, mas pela minha dedicação nesse trabalho eu que não tenho o biotipo tenho o diploma de negro honorário número um”.
O ministro revelou ter entregado o Troféu Raça Negra para a filha de Martin Luther King e para a mulher de Nelson Mandela, em reconhecimento não só da Educafro, mas também da instituição Palmares pela efetividade de seu trabalho em torno dessa causa. “Para mim é muito cara. E o meu voto expressa a voz do meu coração”, declarou emocionado.
Luiz Fux propôs a adoção de um plano nacional de enfrentamento ao racismo que estabelece 11 pontos estruturantes. Entre as principais diretrizes estão providências concretas para o combate ao racismo institucional, sobretudo em áreas relacionadas ao acesso à saúde, segurança alimentar, segurança pública e proteção da vida.
Onze diretrizes propostas
O plano inclui providências reparatórias em virtude de graves violações de direitos humanos em função da raça e cor, como a construção da memória e valorização do papel das populações discriminadas na formação étnico-cultural do país, no sistema educativo formal e no atendimento humanizado.
Outra diretriz prevê a revisão dos procedimentos de acesso via cotas às oportunidades de educação e emprego em função de raça-cor, com o objetivo de evitar a baixa efetividade em função de metodologias pouco efetivas ou que criam obstáculos desnecessários ao acesso. A proposta reconhece que apenas criar cotas não é suficiente se o acesso continua dificultado na prática.
O plano também determina a instituição de instrumentos de monitoramento e avaliação de cada elemento da política nacional de combate ao racismo que vier a ser formulada a partir da revisão proposta, com a definição de metas e prioridades mensuráveis. A criação de protocolo de atendimento de pessoas negras pelos órgãos do Poder Judiciário, pelo Ministério Público, pelas Defensorias Públicas e autoridades policiais para melhor acolhimento institucional e enfrentamento de disparidades raciais também consta entre as medidas.
Contribuições de Flávio Dino
O ministro Flávio Dino acompanhou o relator por considerar que o Brasil começou a abolir a escravidão negra em 1888, mas nunca concluiu esse processo de forma efetiva. Ele fez algumas sugestões complementares para Fux, incluindo ampliar a capacitação de professores para o ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas do país.
Dino também propôs campanhas públicas contra o racismo e incentivo para priorizar projetos que valorizem a presença de pessoas negras na Lei Rouanet, mecanismo federal de fomento à cultura.



