Da redação
O Supremo Tribunal Federal (STF) está julgando um recurso apresentado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) que questiona aspectos da decisão que reconheceu o direito de Testemunhas de Jeová de recusar transfusões de sangue e ter acesso a procedimentos alternativos no Sistema Único de Saúde (SUS). Os embargos de declaração são discutidos no RE 979742, referente ao Tema 952 de repercussão geral.
O relator ministro Luís Roberto Barroso negou o recurso, argumentando que o CFM não possui legitimidade para recorrer por não ter sido admitido no processo como assistente simples ou amicus curiae. O julgamento segue no plenário virtual até 26 de setembro.
Questionamentos rejeitados pelo relator
Barroso destacou que o CFM não faz parte do processo principal e, portanto, não tem legitimidade recursal. Segundo o ministro, nem mesmo colaboradores admitidos como amicus curiae em processos de repercussão geral possuem direito de recorrer das decisões de mérito, ainda que tenham participado do julgamento.
O relator ressaltou que as discussões suscitadas pelo CFM e pela Sociedade Brasileira de Bioética (SBB) não foram objeto do recurso extraordinário original. Os órgãos médicos questionavam a definição da atuação profissional em situações específicas: risco iminente de vida, dúvida sobre a manifestação do paciente, inconsciência com divergência familiar e recusa de gestante com risco próprio e fetal.
Para Barroso, a questão de repercussão geral reconhecida pelo tribunal limitava-se a definir se o direito à liberdade religiosa justifica o custeio de tratamento compatível com as convicções do paciente. Estabelecer regulamentação ampla sobre recusa terapêutica excederia os princípios da separação dos poderes, inércia da jurisdição e congruência processual.
Limites da decisão original
O ministro enfatizou que o acórdão original tratava especificamente de “paciente Testemunha de Jeová maior, capaz e consciente, sem risco iminente de vida”. A decisão não abordou situações mais complexas, como casos envolvendo menores de idade ou pessoas incapazes de formular consentimento livre e informado.
Segundo Barroso, as questões levantadas pelo CFM extrapolam os limites do recurso extraordinário, do tema de repercussão geral e da questão constitucional subjacente. Tecnicamente, o STF não poderia ter sido omisso sobre pontos que não eram objeto do julgamento realizado pela Corte.
Testemunhas de Jeová têm direito de recusar procedimento
Em setembro de 2024, o STF definiu por unanimidade que a liberdade religiosa pode justificar o custeio de tratamento diferenciado pelo poder público. A decisão estabeleceu que Testemunhas de Jeová adultas e capazes têm direito de recusar procedimentos médicos envolvendo transfusão de sangue.
Segundo a decisão, quando o tratamento envolve menores de idade, prevalece o princípio do melhor interesse para a saúde e vida da criança ou adolescente. Ou seja, a liberdade religiosa dos pais não autoriza impedir tratamento médico necessário para filhos menores.
O tribunal também determinou que o Estado possui obrigação de oferecer procedimentos alternativos disponíveis no SUS, incluindo tratamentos em estabelecimentos de outras localidades quando necessário. A posição do Plenário fundamentou-se no princípio de que o direito à liberdade religiosa exige condições adequadas para que pessoas vivam conforme sua fé.
A decisão abrangeu os Recursos Extraordinários 979742 e 1212272, sob relatoria dos ministros Barroso e Gilmar Mendes, respectivamente. As teses fixadas possuem repercussão geral e devem ser aplicadas em todas as instâncias judiciais do país.