Por Carolina Villela
O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou nesta quarta-feira (17) o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7265, que questiona a ampliação da cobertura dos planos de saúde para procedimentos não previstos na lista da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). A ação foi proposta pela União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (Unidas) contra a Lei Federal 14.454/2022, que estabelece novas diretrizes para autorização de tratamentos pelas operadoras.
Segundo a entidade, a lei cria obrigações desproporcionais para o setor privado, ignorando a natureza suplementar da saúde privada e comprometendo a sustentabilidade financeira das operadoras.
O relator, ministro Luís Roberto Barroso, apresentou voto dividido sobre os dispositivos em análise. Enquanto validou o parágrafo 12 do artigo 10, que delimita objetivamente o alcance do rol a partir do marco regulatório, considerou inconstitucional o parágrafo 13 por criar uma “cláusula de abertura que gera incerteza regulatória e compromete a previsibilidade dos contratos”. Barroso foi acompanhado pelo ministro Nunes Marques, e o julgamento foi suspenso para intervalo regimental.
Explosão de demandas judiciais gera crise no setor
O ministro Barroso apresentou dados sobre o impacto financeiro das ações judiciais no setor de saúde suplementar. Entre 2020 e 2025, as despesas decorrentes de demandas judiciais quadruplicaram, saltando de aproximadamente R$ 1 bilhão para R$ 4 bilhões – valores não previstos no cálculo dos contratos das operadoras.
Além das questões judiciais, o setor enfrenta outro desafio: as fraudes. Estudos citados pelo relator apontam que, em 2022, as ações fraudulentas podem ter causado prejuízos de até R$ 34 milhões, equivalente a 12,7% das receitas do setor. Entre as práticas irregulares mais comuns estão o empréstimo de carteirinhas, reembolsos duplicados, atendimentos inexistentes e adulteração de procedimentos para cobranças indevidas.
Para o ministro, mais do que questões de lucros ou prejuízos, “o desafio está em estruturar um modelo sustentável e equilibrado que assegure condições e continuidade para as operadoras de diferentes perfis”, destacando que “a segurança jurídica ocupa papel central” nessa equação.
Críticas ao parágrafo 13 e proposta de novos critérios
Barroso identificou três problemas fundamentais no parágrafo 13 da lei questionada, que representa um “mecanismo aberto de flexibilização do rol”. Primeiro, a redação não apresenta critérios técnicos, objetivos e verificáveis, adotando expressões vagas que comprometem a aplicação prática da norma.
O segundo problema apontado é que o dispositivo prevê obrigatoriedade de cobertura fora do rol sem qualquer mediação ou avaliação prévia da ANS, criando um “canal de incorporação paralelo ao processo regulatório técnico estruturado”. Segundo o relator, “isso compromete a conferência regulatória, esvazia a normativa e favorece decisões pontuais e descoordenadas em prejuízo da sustentabilidade do sistema”.
O terceiro aspecto crítico é que a norma exige o preenchimento alternativo de apenas um dos critérios, permitindo cobertura obrigatória mesmo para tratamentos com eficácia marginal, uso off label ou sem avaliação de impacto econômico. Essa flexibilidade excessiva, na visão do ministro, compromete a viabilidade financeira do sistema.
Proposta de cinco requisitos cumulativos para coberturas especiais
Barroso propôs a seguinte tese:
“1. É constitucional a imposição legal de cobertura de tratamentos ou
procedimentos fora do rol da ANS, desde que preenchidos os parâmetros técnicos e
jurídicos fixados nesta decisão.
2 – Em caso de tratamento ou procedimento não previsto no rol da ANS, a
cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde
que preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos:
(1) prescrição por médico ou odontólogo assistente;
(2) inexistência de negativa expressa da ANS ou de pendência de análise em
proposta de atualização do rol (PAR);
(3) ausência de alternativa terapêutica adequada para a condição do paciente no
rol da ANS;
(4) comprovação de eficácia e segurança do tratamento à luz da medicina
baseada em evidências, necessariamente respaldadas por evidências científicas de alto
nível;
(5) existência de registro na Anvisa.
Novas regras para decisões judiciais sobre cobertura
A proposta de Barroso também estabelece diretrizes para o Poder Judiciário ao analisar pedidos de cobertura de procedimentos não incluídos no rol da ANS. Como regra geral, a ausência de inclusão no rol impede a concessão judicial, salvo quando preenchidos os requisitos específicos, com ônus probatório do autor da ação.
Sob pena de nulidade da decisão judicial, os magistrados deverão obrigatoriamente verificar se há prova do prévio requerimento à operadora, analisar o ato administrativo de não incorporação pela ANS e aferir a presença dos requisitos técnicos através de consulta ao Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATJUS) ou entidades com expertise técnica.
A tese proposta também determina que, em caso de deferimento judicial, deve ser oficiada a ANS para avaliar a possibilidade de inclusão do tratamento no rol de cobertura obrigatória, criando um mecanismo de retroalimentação do sistema regulatório.
Segundo a União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde, a Lei Federal 14.454/2022 cria obrigações desproporcionais para o setor privado, ignorando a natureza suplementar da saúde privada e comprometendo a sustentabilidade financeira das operadoras.