Por Carolina Villela
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira (22) que o vice que substituir o chefe do Poder Executivo por algum período nos seis meses anteriores à eleição, em razão do afastamento do titular pela Justiça, não está impedido de concorrer a um segundo mandato consecutivo. Os ministros acolheram o recurso (RE) 1355228 contra decisão que indeferiu o registro de candidatura do prefeito reeleito de Cachoeira dos Índios, na Paraíba, Alan Seixas de Sousa, que havia ocupado o cargo na condição de vice por apenas oito dias, menos de seis meses antes da eleição de 2020, e foi reeleito em seguida.
Sousa alegou que a substituição foi determinada por decisão judicial que afastou o então prefeito e que o breve período de exercício não configuraria um terceiro mandato, vedado pela Constituição Federal.
Como o caso tem repercussão geral, os ministros ainda vão discutir a tese, com eventual fixação de prazo máximo, que deve ser aplicada pelas outras instâncias da Justiça no país. Foram apresentadas três propostas até o momento. E o julgamento será retomado em nova data.
Relator propõe prazo de 90 dias para substituições sem impacto eleitoral
O relator, ministro Nunes Marques, iniciou seu voto ressaltando que há decisões conflitantes sobre o tema, inclusive no próprio STF, por isso considera importante discutir a matéria e fixar a compreensão adequada do texto constitucional. Marques destacou que é preciso definir se deve permanecer a regra que permite dois mandatos seguidos ou se a fração do penúltimo mandato exercido nos últimos seis meses como vice prefeito deve ser computada como um mandato para efeito de reeleição.
O ministro argumentou que o STF e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) têm apresentado interpretações diferentes sobre o assunto, gerando insegurança jurídica. Para o relator, é compreensível que a introdução da reeleição imediata tenha gerado receios há trinta anos, mas algumas restrições podem se revelar desproporcionais com o tempo.
Nunes Marques lembrou que, no Brasil, em ano de eleição presidencial, quando o Presidente da República precisa se ausentar durante o pleito, seus sucessores se recusam a assumir a cadeira de chefe do executivo com medo de serem impedidos de disputar um segundo mandato, fazendo com que o comando acabe indo para o presidente do STF. Segundo o ministro, um dos sinais mais claros disso está nos “graves motivos” alegados pelos integrantes da linha sucessória, dando margem a um comportamento hipócrita.
Ministros criticam “subterfúgios” para evitar inelegibilidade
“Usando subterfúgios, marcando viagens de última hora, usando artifícios para assumir interinamente e não sofrer o estigma de se tornar inelegível”, ressaltou o relator ao criticar o comportamento de políticos que tentam escapar das regras. Nunes Marques citou o modelo adotado pelos Estados Unidos, mencionando uma pesquisa que mostra que 29 dos 49 políticos que eram vice e ocuparam formalmente a chefia do executivo buscaram a nomeação do próprio partido para concorrer à presidência.
O relator defendeu que, entre as várias possibilidades de substituição da chefia, não deve gerar inelegibilidade aquela determinada por decisão judicial provisória. No seu entendimento, o título judicial, além de ser formado por outro Poder de Estado em processo no qual o vice não tem qualquer ingerência, é instável e pode a qualquer momento ser modificado por novo pronunciamento do juiz.
No caso concreto, o ministro votou para aceitar o recurso e deferir a candidatura de Alan Seixas. Nunes Marques propôs a fixação do prazo de 90 dias para que a substituição da chefia do Poder Executivo, quando ocorrer por decisão judicial ou de forma precária nos últimos seis meses antes da eleição, não impeça a reeleição do vice.
Flávio Dino abre divergência e defende alternância de poder
Ao abrir divergência, o ministro Flávio Dino destacou que o conceito que deve basear o debate é o da República e que a alternância do Poder deve ser um valor relevante. Ele ressaltou também que deve ser considerada a paridade de armas, princípio jurídico que garante que todas as partes em um processo judicial ou administrativo tenham oportunidades e ferramentas processuais iguais para apresentar seus argumentos e provas.
Dino afirmou que o período de 90 dias proposto pelo relator para a substituição do titular do cargo, sem a pena de inelegibilidade, é “uma eternidade”, sob o risco de o gestor “limpar as contas” e favorecer sua própria candidatura, nos casos em que houver condutas abusivas. Ele ressaltou que preocupa o fato de abrir as portas para práticas deletérias de toda natureza. O ministro defendeu que deve ser mantida a norma expressa da Constituição e da Lei Complementar 64/90.
Para Dino, se a substituição por breve período não conta para fins de terceiro mandato, a sucessão por breve período materialmente é a mesma coisa. Os ministros Dias Toffol e Edson Fachin e a ministra Cármen Lúcia acompanharam essa divergência, considerando que qualquer substituição nos últimos quatro anos configuraria um terceiro mandato, vedado pela Constituição.
Três correntes se formam no julgamento
O ministro Cristiano Zanin acompanhou o voto do relator, lembrando que o caso trata de substituição forçada por decisão judicial e que o Supremo deveria admitir a possibilidade de afastar a regra que impede a reeleição. Já o ministro André Mendonça manifestou preocupação com o prazo de 90 dias, por entender que é bastante extenso e permitiria rearranjos estruturais na administração pública que podem repercutir na isonomia do processo eleitoral. Ele seguiu o relator com ressalvas, defendendo que o prazo deve ser de apenas 15 dias, consecutivos ou intercalados.
Uma terceira corrente foi aberta pelo ministro Alexandre de Moraes, que ressaltou que o vice tem obrigatoriedade de substituir o titular em determinadas situações. Segundo ele, impedir essa substituição determinada pela Justiça pode levar a um “arranjo esdrúxulo” não previsto na Constituição. Para Moraes, se for por decisão judicial ou motivo de força maior, como um AVC, o vice tem o direito de assumir o cargo independentemente de prazo. “É substituição e não sucessão”, completou.
O ministro Luiz Fux acompanhou essa terceira corrente, afirmando que a Constituição impede uma terceira eleição, mas destacando que a substituição no curso do mandato, decorrente de afastamento legal ou judicial, não significa que o vice assumiu por vontade popular.