Por Carolina Villela
Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu nesta quinta-feira (9) a omissão do Congresso Nacional em regulamentar a proteção dos trabalhadores contra a automação e fixou o prazo de 24 meses para que o tema seja disciplinado por lei. A decisão ocorreu no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 73, proposta pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que cobra a regulamentação do artigo 7º, inciso XXVII, da Constituição Federal, sem efetivação há mais de 36 anos.
O relator da ação, ministro Luís Roberto Barroso, inicialmente havia votado pela procedência sem fixar prazo, mas ajustou seu posicionamento após debates com outros ministros. O prazo final de 24 meses foi estabelecido para que o Legislativo tenha tempo hábil de debater e aprovar uma legislação complexa e abrangente.
Impactos da inteligência artificial no mercado de trabalho
O ministro Luís Roberto Barroso iniciou seu voto destacando os impactos profundos da tecnologia no mercado de trabalho contemporâneo. Segundo o relator, o país está diante de uma nova revolução industrial que possivelmente terá impacto ainda maior: a da inteligência artificial. Ele citou estudos que apontam que até 50% dos empregos devem desaparecer nas próximas décadas, embora novas atividades também devam surgir.
O ministro ressaltou as transformações já visíveis nos modelos de negócios atuais, com pessoas fazendo compras pela internet, ouvindo músicas e assistindo filmes por streaming. Barroso enfatizou que não há como parar o desenvolvimento tecnológico e que proteger contra a automação não significa interromper os avanços. “Trata-se da necessidade de capacitação das pessoas para uma nova economia e de redes de proteção social numa eventual transição”, afirmou.
Para o relator, a Constituição exige essa norma e, como ela não foi editada até hoje, configura omissão inconstitucional. Inicialmente, Barroso julgou o pedido procedente para reconhecer a omissão, mas sem fixar prazo específico para que a regra seja regulamentada pelos parlamentares. Contudo, após a sugestão do ministro Flávio Dino de estabelecer prazo de 18 meses, o relator sinalizou que ajustaria seu voto para contemplar um período que permitisse debate adequado no Congresso. Dino depois reajustou o prazo para 24 meses.
Debate sobre prazo e urgência da regulamentação
O ministro Flávio Dino, responsável por levar o processo do plenário virtual para o físico, ampliou o debate ao destacar que não são apenas os trabalhos manuais que estão em xeque nessa discussão. Ele citou como exemplo a criação de uma atriz pela inteligência artificial, demonstrando que profissões intelectuais e artísticas também estão ameaçadas pela automação, ampliando significativamente o alcance da proteção constitucional.
Dino defendeu a necessidade urgente de uma legislação protetiva contra os efeitos da automação, classificando o tema como prioritário. No entanto, ressaltou que o debate deve ser conduzido pelo Congresso Nacional, respeitando-se a separação dos poderes. O ministro estabeleceu um paralelo com debates políticos recentes, lembrando da discussão sobre cargas tributárias e da necessidade de responsabilidade legislativa.
Flávio Dino mencionou como fruto do debate político a retirada de pauta na Câmara dos Deputados da Medida Provisória que aumentaria a tributação das apostas esportivas (Bets), fazendo com que a proposta caducasse. “Fizeram com que a jogatina se desinstitucionalizasse de um jeito e penetrasse nos polos da sociedade que os efeitos aí estão: saúde mental destruída, economia familiar destroçada, pessoas se suicidando”, criticou o ministro, exemplificando a importância de o Congresso agir em questões sociais urgentes.
Ministros reconhecem complexidade da matéria
O ministro Gilmar Mendes considerou que se trata de norma relevante, mas destacou sua complexidade. Apesar de reconhecer as dificuldades inerentes ao tema, Mendes acompanhou integralmente o voto do relator, reconhecendo a omissão inconstitucional do Congresso Nacional. Os ministros Cristiano Zanin e André Mendonça também reconheceram a omissão.
O ministro Nunes Marques seguiu o relator e avaliou que não há solução única para o problema do desemprego gerado pela automação. Ele defendeu dois pontos importantes para enfrentar o desafio: humanismo e desenvolvimento tecnológico. Segundo Marques, limitar inovação sai caro para a sociedade, mas a fatura social da automação terá que ser repartida, e o canal clássico para isso, em democracias constitucionais, é a seguridade social.
O ministro Alexandre de Moraes também defendeu a fixação de prazo para que o Congresso regulamente a questão. Em caso de não regulamentação no período estabelecido, reforçou que o Supremo deve definir diretrizes de proteção ao trabalhador. Os ministros Luiz Fux e Dias Toffoli também acompanharam o relator na íntegra.
A ministra Cármen Lúcia enfatizou proteções constitucionais fundamentais do trabalhador, como a não demissão sem aviso prévio e outros direitos consolidados. Na sua visão, houve clara omissão legislativa que perdura há décadas e é preciso estabelecer prazo concreto para que o tema seja finalmente regulamentado pelo Congresso Nacional.
PGR
A Procuradoria-Geral da República argumentou em sua petição que a Constituição não apenas elevou essa proteção ao status de direito fundamental, mas também impôs ao legislador federal a obrigação específica de editar lei regulamentadora. A ausência dessa norma há mais de 36 anos representa violação direta ao texto constitucional e deixa milhões de trabalhadores desprotegidos diante das transformações tecnológicas aceleradas.
Riscos da ausência de regulamentação
A Central Única dos Trabalhadores (CUT) manifestou apoio à necessidade urgente de regulamentação. Representantes da entidade esclareceram que não se trata de barrar avanços tecnológicos ou impedir o progresso, mas de estabelecer padrões mínimos e políticas públicas de proteção ao trabalho humano em um contexto de rápidas transformações econômicas e sociais.
Segundo a CUT, a ausência de regulamentação pode resultar em consequências graves para a sociedade brasileira, incluindo demissões em massa, precarização crescente da mão de obra e eventual colapso do sistema de seguridade social do país. A entidade sindical defende que a legislação deve prever mecanismos de qualificação profissional, programas de transição de carreira e redes de proteção social para trabalhadores afetados pela automação e pela inteligência artificial.