Por Carolina Vilella
O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou nesta quarta-feira (3) o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5905, que pode redefinir os direitos indígenas no Brasil. A ação questiona dispositivos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que estabelecem a obrigatoriedade de consulta prévia às comunidades indígenas antes da execução de obras e serviços públicos em suas terras.
A governadora de Roraima, Suely Campos, move a ação questionando a aplicação da convenção internacional, argumentando possíveis entraves ao desenvolvimento regional. O caso é relatado pelo ministro Luiz Fux e teve as sustentações orais realizadas sob a presidência do ministro Edson Fachin, que substitui o presidente Luís Roberto Barroso que, em compromisso institucional, participa do J20, encontro de representantes das Supremas Cortes dos países do G20, evento realizado este ano na África do Sul.
Centro da controvérsia jurídica
O julgamento aborda a exigência de consulta prévia às populações indígenas sobre projetos que as afetem diretamente. Entre as obras em discussão estão instalações de equipamentos de transmissão e distribuição de energia elétrica, redes de comunicação, estradas e demais construções necessárias à prestação de serviços públicos em territórios indígenas.
A questão vai além da simples execução de obras, tocando na relação estrutural entre o Estado brasileiro e os povos originários.
Após as apresentações do relatório e sustentações orais, o julgamento foi suspenso e deve ser retomado em data ainda não definida pela Corte.
Defesa de parâmetros claros para consultas
O Procurador do Estado de Roraima, Edival Braga, defendeu a necessidade de o STF estabelecer parâmetros claros sobre a aplicação da Convenção 169 da OIT. Ele destacou que o histórico revela negligência sistemática do Estado na realização de consultas prévias, que normalmente ocorrem apenas após determinações judiciais.
Braga propôs que a consulta deve acontecer antes mesmo dos estudos de viabilidade econômica, seguindo protocolos estabelecidos pelas próprias comunidades indígenas. O procurador diferenciou a obrigatoriedade da consulta do efeito vinculante de seu resultado, argumentando que a consulta deve sempre ocorrer, mas só teria caráter obrigatório quando os impactos negativos superarem os benefícios para a comunidade.
O representante de Roraima pediu que o Supremo estabeleça balizas constitucionais que garantam o respeito à autodeterminação dos povos indígenas, mas também permitam o desenvolvimento sustentável da região amazônica.
Regulamentação pelo Congresso Nacional
Representando a Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA), Felipe Costa Albuquerque afirmou que, embora a consulta seja um instrumento importante, ela depende de segurança jurídica para a sua aplicação. O advogado argumentou que há diversas obras no país, principalmente de infraestrutura e logística, que precisam caminhar.
Na sua avaliação, devem ser estabelecidos parâmetros claros para a aplicação da Convenção, além de prazos para as consultas. Silva também defendeu que a norma seja regulamentada pelo Congresso Nacional.
AGU defende constitucionalidade da convenção
Marcelo Vinícius Miranda Santos, pela Advocacia-Geral da União (AGU), contestou os argumentos da ação e defendeu que ela seja rejeitada pelo STF. O advogado argumentou que a Convenção 169 não afronta a Constituição nem viola o princípio democrático, representando um avanço civilizatório na proteção dos direitos indígenas.
Santos enfatizou que o Brasil ratificou a Convenção buscando abandonar uma lógica integracionista e adotar uma abordagem baseada no respeito à autonomia, identidade cultural e autodeterminação dos povos originários. Segundo ele, existe convergência entre a convenção internacional e os propósitos constitucionais brasileiros.
Para o representante da União, a exigência de consulta prévia não pode ser considerada um entrave ao progresso, mas sim “uma salvaguarda contra a invisibilização dos povos originários”. Ele alertou que ignorar essa proteção representaria um retrocesso constitucional e ameaça à segurança jurídica, além de prejudicar a imagem internacional do Brasil.
Movimentos sociais alertam para risco de genocídio
Carlos Frederico de Sousa, representando a Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais, a Associação de Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará e a organização Terras de Direitos, se manifestou em defesa da Convenção 169. Ele destacou a importância do mecanismo para o sistema jurídico da América Latina, especialmente considerando o processo histórico de colonização.
Sousa ressaltou que o Brasil participou ativamente das discussões internacionais que resultaram na convenção e que a norma é vista como suporte fundamental dos direitos humanos dos povos tradicionais. O advogado enfatizou que a consulta prévia é “absolutamente necessária” para avaliar o impacto de leis e atos sobre as comunidades.
Em sua argumentação, Sousa alertou que, se uma medida causar “uma relação deformadora que desconstitua a capacidade do povo viver nesse território, nós estamos cometendo um genocídio”.