Da redação
O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quinta-feira (18) o julgamento que analisa mudanças na Lei dos Planos de Saúde que ampliaram a cobertura obrigatória para tratamentos não previstos na lista oficial da Agência Nacional de Saúde (ANS). O caso é discutido na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7265.
Na sessão desta quarta-feira, foram apresentados três votos. O relator, ministro Luís Roberto Barroso, propôs a adoção de critérios técnicos para autorização de tratamentos fora da lista da ANS e foi acompanhado por Nunes Marques. Já o ministro Flávio Dino divergiu parcialmente. O julgamento será retomado nesta tarde com o voto do ministro Edson Fachin.
Lei de 2022 amplia obrigações dos planos privados
A Lei 14.454/2022 alterou as regras do setor de Saúde Suplementar ao estabelecer que o rol de procedimentos da ANS não possui caráter taxativo. Ou seja, os planos são obrigados a oferecer tratamento que não esteja na lista, desde que haja comprovação científica de sua eficácia e recomendação favorável da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) ou de órgãos internacionais especializados.
Na ação, a União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (Unidas) argumenta que as novas obrigações dos planos de saúde extrapolam até mesmo as responsabilidades do Sistema Único de Saúde (SUS), ignorando o caráter suplementar da saúde privada e criando um desequilíbrio econômico no setor.
Ministro relator propõe critérios objetivos para cobertura
O ministro Luís Roberto Barroso, relator da ADI, reconhece a possibilidade de autorização de tratamentos fora do rol da ANS, em casos excepcionais, mas defende a necessidade de critérios claros e objetivos. Em seu voto, Barroso destacou que a redação atual da norma gera incerteza regulatória e compromete a previsibilidade essencial aos contratos de planos de saúde.
O ministro criticou a amplitude excessiva da definição legal, que ignora a metodologia estruturada de avaliação de tecnologias em saúde e os princípios da medicina baseada em evidências que tradicionalmente orientam a atuação da ANS. Para Barroso, é fundamental encontrar um equilíbrio que garanta tanto a proteção dos beneficiários quanto a viabilidade econômica das operadoras.
Nesse sentido, o relator propõe uma interpretação restritiva da lei, estabelecendo cinco critérios cumulativos para a cobertura de tratamentos não previstos: prescrição por médico ou odontólogo assistente; ausência de negativa expressa da ANS ou análise pendente de inclusão no rol; inexistência de alternativa terapêutica adequada na lista oficial; comprovação científica de eficácia e segurança; e registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Novas diretrizes para o Poder Judiciário
A proposta de tese do relator estabelece um protocolo para o Poder Judiciário ao analisar pedidos de cobertura de procedimentos não incluídos no rol da ANS. Como regra geral, a ausência de inclusão no rol impede a concessão judicial, salvo quando comprovadamente preenchidos os cinco requisitos específicos, sendo o ônus probatório integralmente do autor da ação judicial.
Sob pena de nulidade da decisão judicial, os magistrados deverão obrigatoriamente cumprir quatro etapas procedimentais. Primeiro, verificar a existência de prova do prévio requerimento à operadora de saúde e sua respectiva negativa, mora irrazoável ou omissão. Segundo, analisar criteriosamente o ato administrativo de não incorporação pela ANS, considerando as circunstâncias do caso concreto sem adentrar no mérito técnico-administrativo.
A terceira obrigação é aferir a presença dos requisitos técnicos através de consulta prévia ao Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATJUS) ou entidades com expertise técnica reconhecida, vedando fundamentar decisões apenas em prescrições, relatórios ou laudos médicos apresentados pela parte interessada. Por fim, em caso de deferimento judicial, determinar que seja oficiada a ANS para avaliar a possibilidade de inclusão do tratamento no rol de cobertura obrigatória.
Divergência sobre necessidade de regulamentação adicional
O ministro Flávio Dino apresentou posicionamento parcialmente divergente, considerando a lei constitucional em sua integralidade. Para Dino, a regulamentação técnica dos serviços de saúde é insubstituível, e a alteração legislativa representa uma opção política legítima do Congresso Nacional.
Na visão do ministro, a proposta de Barroso oferece um “caminho trevoso, pedregoso e quase intransponível sob a ótica dos consumidores”, dificultando o acesso dos usuários a tratamentos necessários.
Diferentemente do relator, Dino entende que a própria lei já contém os mecanismos necessários para evitar abusos, ao vedar expressamente a oferta de tratamentos não reconhecidos por autoridades competentes. O que dispensaria a necessidade de critérios adicionais propostos por Barroso.
Pauta inclui casos sobre sigilo digital
Além da questão dos planos de saúde, o STF também analisará o (RE) 1301250, que trata da definição de limites para quebra de sigilo de usuários com base em buscas realizadas em sites de pesquisa. O caso envolve recurso do Google sobre decisão que permitiu acesso a dados de pessoas que pesquisaram sobre a vereadora Marielle Franco antes de seu assassinato.
O recurso discute se um juiz pode decretar a quebra de sigilo de históricos de busca na internet de um conjunto não identificado de pessoas, sem definir os investigados específicos. A relatora é a ministra Rosa Weber, aposentada, e o julgamento retornará com o voto-vista do ministro Gilmar Mendes.
O tema tem repercussão geral reconhecida (Tema 1148) e pode estabelecer precedentes importantes sobre privacidade digital e limites da investigação criminal no ambiente virtual. O caso originou-se de decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que manteve a quebra de dados de usuários que fizeram pesquisas sobre Marielle Franco às vésperas do crime.
Funrural
O resultado do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4395, ajuizada pela Associação Brasileira de Frigoríficos (ABRAFRIGO) em 2010, deve ser finalmente proclamado pelo STF na sessão desta quinta-feira (18). O processo questiona a cobrança da contribuição ao Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (FUNRURAL) para empregadores pessoas físicas e a regra de sub-rogação prevista na Lei 8.212/1991.
Em 2020, o julgamento estava empatado em cinco votos a cinco, restando a manifestação do ministro Dias Toffoli. Apenas em dezembro de 2022, Toffoli apresentou seu voto pela inconstitucionalidade parcial, entendendo inválida a regra de sub-rogação, o que, em tese, poderia ter encerrado o julgamento.
Entretanto, a Fazenda Nacional defendeu que a votação não havia sido concluída de forma favorável aos contribuintes, gerando novo embate processual. ABRAFRIGO e a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (ABIEC), atuando como amicus curiae, contestaram a interpretação, reforçando que o placar já havia sido definido.
Em janeiro de 2025, o ministro Gilmar Mendes suspendeu todos os processos sobre o tema no país. A medida foi confirmada pelo plenário em fevereiro.
Nos últimos anos, a falta de definição travou milhares de processos em tribunais e no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), impactando diretamente produtores rurais e empresas do setor de proteína animal.