Um suboficial da Marinha do Brasil foi condenado a um ano de detenção em regime aberto por assédio sexual contra uma cabo trans durante curso de formação no Rio de Janeiro. O caso, ocorrido em fevereiro de 2024, resultou em sentença do Conselho Permanente de Justiça da 1ª Auditoria da Justiça Militar da União.
O crime aconteceu no dia 6 de fevereiro de 2024, numa escola de formação da Marinha, quando o suboficial, então comandante de companhia, abordou a militar de forma intimidatória. Segundo a denúncia do Ministério Público Militar, ele puxou a cabo pelo braço e proferiu ameaça de conotação sexual, fazendo referência ao período anterior à transição de gênero da vítima.
A frase pronunciada pelo militar fazia alusão ao tempo em que ambos serviram juntos numa fragata em 2011. Na ocasião, a cabo ainda não havia realizado sua transição de gênero, situação explorada pelo agressor para constrangê-la.
Consequências psicológicas imediatas na vítima
No dia seguinte ao episódio, a cabo apresentou grave crise de ansiedade durante formação matinal do curso. Os sintomas incluíram contrações musculares, câimbras e desmaio, exigindo atendimento médico na enfermaria da escola e posterior acompanhamento psicológico.
A militar relatou o ocorrido à sua comandante, que instaurou sindicância e encaminhou o caso à Justiça Militar. Durante o processo, testemunhas confirmaram a mudança comportamental da vítima após o incidente, embora nenhuma tenha presenciado diretamente a conversa.
A defesa do suboficial negou o crime, alegando que apenas cumprimentou a militar e pediu desculpas por supostamente ter usado pronome masculino. Sustentou ainda que pretendia entender como ela preferia ser tratada, alegando atipicidade da conduta e ausência de provas materiais.
Decisão judicial baseada em consistência de depoimentos
O Conselho Permanente de Justiça considerou suficientes os depoimentos da vítima, corroborados pelas testemunhas e evidências do abalo psicológico. A materialidade e autoria do delito de assédio sexual, tipificado no artigo 216-A do Código Penal, foram comprovadas.
A juíza federal Mariana Aquino destacou que a consistência do depoimento da vítima, somada ao impacto psicológico imediato, configura prova robusta da prática criminosa. Foi ressaltado também o preconceito estrutural presente na conduta do réu durante o interrogatório.
“O réu, durante seu interrogatório em juízo, por diversas vezes se referiu à ofendida no gênero masculino, utilizando o pronome ‘ele’, embora a cabo seja reconhecidamente uma mulher trans”, registrou a magistrada na sentença.
Compromisso social com combate à discriminação de gênero
Na decisão, a juíza enfatizou os avanços sociais e jurídicos no combate à violência contra mulher e discriminação de gênero. Citou a Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra Mulher, ratificada pelo Brasil em 1984.
“Não há como acolher as teses defensivas. Ressalta-se o compromisso da sociedade com a punição de práticas que atentem contra a integridade física, psicológica e sexual das mulheres”, afirmou a juíza Mariana Aquino ao UOL.
O Conselho julgou procedente a denúncia e impôs pena de um ano de detenção convertida para regime aberto. Foi concedida suspensão condicional da pena por dois anos, com comparecimento trimestral ao Juízo de Execução e obrigatoriedade de participar de curso sobre assédio no trabalho.