Da Redação
A pessoa internada em uma clínica para tratamento de dependência química não é desprovida dos próprios desejos e continua tendo autonomia para agir da forma que quiser. Com esse entendimento, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) negou recurso a uma mulher e sua mãe que tentaram entrar com ação contra um homem com quem ela se relacionou numa dessas instituições e engravidou.
Mãe e filha queriam receber, tanto da clínica, como do homem, uma indenização como ressarcimento pelos gastos que tiveram com gestação e o estabelecimento de uma pensão mensal até a criança completar 21 anos.
No caso em questão, as duas mulheres primeiro tentaram processar judicialmente a clínica, alegando que a paciente se relacionou sexualmente com um interno e nada foi feito, tendo ela engravidado. Mas prevaleceu o entendimento de que a mulher, maior de idade, cometeu o ato sexual por vontade própria e não estava numa posição considerada vulnerável nem desprovida de sua capacidade mental.
Dever de vigilância
Conforme o argumento de mãe e filha, a clínica deveria ser responsabilizada de toda forma, porque falhou no seu dever de vigilância. Na primeira instância, a ação foi considerada improcedente pela 15ª Vara Cível de São Paulo. A juíza que deu a decisão, Marian Abdo, argumentou que “além de a mulher ser maior e estar em plena capacidade para consentir o ato sexual, o homem assumiu a paternidade”.
Mesmo assim, mãe e filha interpuseram uma apelação junto ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) pedindo para processar a clínica e o pai da criança. Na decisão do Tribunal, o desembargador relator, Andrade Neto, afirmou que “a internação de uma pessoa para tratamento de dependência química não a reduz à condição de pessoa desprovida dos próprios desejos e submissa à vontade da instituição”.
“Ela continua com capacidade cognitiva suficiente para agir com relativa autonomia de vontade para comandar suas ações e participar ativamente das atividades promovidas no processo de recuperação”, frisou o magistrado.
Exercício pleno de liberdade
De acordo com Andrade Neto, responsabilizar a clínica por esse tipo de circunstância é “absolutamente desarrazoado, desmerecendo maiores considerações”, uma vez que a mulher e o homem agiram no pleno exercício de sua liberdade sexual. O julgador acrescentou, ainda, que se o casal não usou qualquer meio contraceptivo, a gravidez indesejada é culpa exclusiva dos dois.
O desembargador Andrade Neto enfatizou, ainda, no seu voto, que o fato de uma clínica de dependentes químicos separar os pacientes por sexo não significa eliminar a privacidade, a autonomia e o contato entre os internos. Isto porque a seu ver, “regras extremamente rígidas, como se a clínica fosse uma instituição prisional, produziria efeitos contraproducentes ao tratamento”.
Episódio possível de ocorrer
Assim, de acordo com ele, “eventual violação da política adotada por algum paciente não representa verdadeira falha na prestação do serviço, mas um episódio passível de ocorrer dentro de um contexto de ‘liberdade monitorada’”.
A decisão tomou como base o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015), segundo o qual, “a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para: (…) exercer direitos sexuais e reprodutivos”.
O que diz o Código Civil
O relator também citou os artigos 3 e 4 do Código Civil que consideram que “são absolutamente incapazes apenas os menores de 16 anos. As demais pessoas, ainda que acometidas por alguma deficiência, incluindo-se os transtornos mentais causados por dependência química, são relativamente incapazes”.
Os demais magistrados que acolheram o voto do relator também destacaram que como a concepção foi fruto de ato sexual entre duas pessoas capazes, sem coação ou violência, não há que se falar em ato ilícito. O processo julgado foi a Apelação Nº 029933- 92.2023.8.26.0002. O Tribunal não disponibilizou a íntegra da decisão.
— Com informações do TJSP



