A Convenção de Haia de 1980 – tratado internacional que estabelece procedimentos para a repatriação de crianças que foram retiradas ilegalmente de seu país de origem – é discutida em duas ações no Supremo Tribunal Federal. Elas pedem que a violência doméstica seja incluída entre as exceções do retorno do menor.
Segundo dados do Ministério da Justiça, desde 2020, o Brasil acompanhou 478 pedidos de cooperação jurídica internacional. Desse total, 192 são de outros países objetivando o regresso de crianças para territórios estrangeiros e 286 solicitações de brasileiros para devolução de crianças para o Brasil.
Nos 170 casos (ativos e encerrados) em que houve atuação da Advocacia-Geral da União, desde 2018, mais da metade (96) envolvem também violência doméstica, o equivalente a 57% do total.
Atualmente, existem cinco regras de restrição:
. o procedimento deve ser iniciado após o prazo de um ano;
. deve ser provado que o genitor que pede o retorno consentiu com a realocação;
. que a criança tenha atingido grau de maturidade e idade suficientes para se opor;
. que o retorno implique em uma violação de direitos humanos
. que a repatriação sujeite a criança a grave risco;
Ações no STF
Na ADI 4245, o então partido Democratas pediu a declaração parcial de inconstitucionalidade de decretos que ratificaram e promulgaram a Convenção de Haia. E que fosse dada ao tratado interpretação conforme a Constituição Federal, principalmente o Art. 227 (proteção integral da criança).
Na ADI 7686, o autor, partido Psol, pede que a situação de violência doméstica vivenciada pela genitora seja levada em consideração na análise de pedidos de retorno fundamentados na Convenção. Para o requerente, as exceções de não retorno da criança, previstas no tratado, também seriam aplicáveis quando a criança não for a vítima primária direta ou exposta ao perigo. As duas ações são relatadas pelo presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso.
A última movimentação da ADI 4245 foi em julho de 2024. Já a ADI 7686 foi incluída no calendário de julgamento no dia 06/02/2025, quando serão feitas a leitura do relatório e as sustentações orais. Não há data prevista ainda para o início da votação.
Modernização
Janaína Albuquerque, coordenadora jurídica da organização Revibra Europa, que oferece assistência a mulheres migrantes vítimas de violência doméstica no exterior e atua como amigos da Corte em uma das ações no STF, defende que o tratado precisa ser atualizado. A advogada explica que a Convenção foi elaborada na década de 70. “Desde então, o texto nunca sofreu modificações e a interpretação também permaneceu congelada no tempo”, afirmou.
Segundo a advogada, inicialmente, os genitores subtratores eram pais, homens, que levavam a criança para um país estrangeiro na expectativa de conseguirem decisões mais favoráveis de guarda para si. No entanto, desde 1990, em 75% dos casos, as subtratoras passaram a ser as mães, que justificam a subtração pela necessidade de proteger a si mesmas e aos seus filho contra um cenário de violência doméstica.
Janaína defende que seja afastada a presunção de garantia dos melhores interesses atrelada à repatriação, pois nem sempre o regresso cumprirá esse propósito.
“A interpretação da Convenção precisa acompanhar os avanços legislativos e sociais para que o texto não se torne obsoleto e resulte em sérias violações de direitos humanos. A ordem dos fatores está trocada, pois não se deve medir o cumprimento com base no número de retornos. As exceções fazem parte integral do quadro normativo e, portanto, aplicá-las também significa cumprir com a Convenção”, concluiu.