Por Carolina Villela
A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou nesta segunda-feira (6) que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente do Congresso Nacional, senador Davi Alcolumbre (União-AP), prestem informações no “prazo máximo e improrrogável de cinco dias” sobre alterações feitas na Lei da Ficha Limpa. A decisão foi tomada na ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 7881, apresentada pelo partido Rede Sustentabilidade, que questiona mudanças nos prazos de inelegibilidade e possíveis vícios no processo legislativo que resultou na aprovação da Lei Complementar nº 219/2025.
Além de solicitar explicações do Executivo e do Legislativo, a ministra Cármen Lúcia também pediu que a Advocacia-Geral da União (AGU) e a Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestem sobre o caso em três dias cada.
Rede questiona processo legislativo no Senado
O centro da contestação da Rede Sustentabilidade está no procedimento adotado pelo Senado Federal durante a tramitação do projeto. Segundo o partido, a Casa revisora “promoveu modificações substanciais ao conteúdo do projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados, sob o pretexto de ajustes redacionais”, o que configuraria irregularidade no processo legislativo.
A legenda argumenta que o Senado alterou substancialmente o alcance da norma ao incluir expressamente os candidatos não eleitos no rol de sujeitos passivos da sanção de inelegibilidade. “Tal modificação amplia significativamente o espectro de aplicação da norma, alterando sua ratio essendi e produzindo consequências jurídicas diversas daquelas pretendidas pela Casa iniciadora”, afirma o partido na petição.
Alega ainda, que as alterações desfiguram o arcabouço normativo de proteção à probidade e à moralidade administrativa consolidado pela legislação original, aprovada em 2010 após mobilização popular.
Novas regras reduzem prazos de inelegibilidade
O projeto foi aprovado pela Câmara e pelo Senado com a justificativa de que a inelegibilidade não poderia ter duração excessivamente longa nem depender exclusivamente da decisão do magistrado responsável pelo caso. Os parlamentares argumentaram que a legislação anterior criava situações de incerteza jurídica para os políticos condenados.
Até a aprovação da nova lei, o prazo de inelegibilidade variava conforme o processo tramitava no Judiciário e poderia se estender por mais de 15 anos, dependendo dos recursos interpostos. A nova regra estabelece que políticos condenados por delitos eleitorais de menor gravidade ou de improbidade administrativa ficam proibidos de disputar eleições por, no máximo, oito anos a contar da condenação.
A legislação ainda estabelece um limite de 12 anos como prazo máximo que políticos poderão ficar sem disputar eleição nos casos de condenações em múltiplos processos.
Lula veta retroatividade da nova lei
No dia 30 de setembro, o presidente Lula sancionou a proposta aprovada pelo Congresso, mas vetou dispositivos que permitiam retroagir a regra para políticos já condenados pela Lei da Ficha Limpa, o que reduziria o prazo de inelegibilidade atualmente vigente para essas pessoas. O Palácio do Planalto justificou que essa mudança afrontaria o princípio da segurança jurídica ao relativizar a coisa julgada.
Segundo o Executivo, a retroatividade permitiria que decisões judiciais transitadas em julgado fossem “esvaziadas” pela nova legislação, criando um precedente perigoso para o sistema jurídico brasileiro. O governo ainda fundamentou sua decisão citando entendimento do Supremo Tribunal Federal no Tema 1199 de Repercussão Geral, que possui efeitos vinculantes sobre todo o Poder Judiciário.
Os vetos serão analisados em sessão conjunta do Congresso.
Crimes graves mantêm regras mais rígidas
Para crimes mais graves e delitos contra a administração pública, continua valendo a regra anterior, considerada mais severa. Nela, o prazo de inelegibilidade de oito anos começa a contar apenas a partir do final do cumprimento da pena, e não da condenação, como ocorre com os delitos de menor gravidade contemplados na nova legislação.
Entre os crimes que mantêm as regras mais rígidas estão lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos e valores; tráfico de entorpecentes e drogas afins; racismo; tortura; terrorismo e crimes hediondos; redução à condição análoga à de escravo; crimes contra a vida e a dignidade sexual; e delitos praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando.
Novos marcos temporais para contagem da inelegibilidade
O projeto aprovado pelo Congresso também estabelece novos marcos temporais para início da contagem do prazo de oito anos de inelegibilidade. A partir de agora, esse período será contado a partir da decisão que decretar a perda do mandato, da eleição na qual ocorreu prática abusiva, da condenação por órgão colegiado ou da renúncia ao cargo eletivo.
A nova legislação ainda veda a possibilidade de mais de uma condenação por inelegibilidade no caso de ações ajuizadas por fatos relacionados, evitando que um mesmo conjunto de atos ilícitos gere múltiplas punições que se somariam no tempo.
Os crimes previstos na Lei da Ficha Limpa que são impactados pela mudança incluem aqueles contra a economia popular, a fé pública e o patrimônio público; contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula falências; contra o meio ambiente e a saúde pública; crimes eleitorais para os quais a lei prevê pena privativa de liberdade; e crimes de abuso de autoridade nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou inabilitação para exercício de função pública.