Da Redação
Quando um cidadão comum entra na Justiça para resolver uma questão legal, ele pode não saber que seu caso tem o potencial de influenciar decisões em todo o território nacional. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), existe um processo meticuloso para identificar e transformar recursos especiais em precedentes obrigatórios, através da sistemática dos recursos repetitivos.
O Ponto de Partida: Recursos Representativos de Controvérsia
O caminho começa com a identificação de recursos representativos de controvérsia (RRC) – casos que discutem a mesma questão jurídica já submetida ao STJ. Esses recursos são catalogados como “controvérsias” pelo tribunal e organizados na página Precedentes Qualificados.
Os números impressionam: apenas entre janeiro e agosto deste ano, foram admitidas 61 controvérsias, sendo que 22 já se transformaram em temas repetitivos – aqueles que geram teses vinculantes aplicadas obrigatoriamente em todos os casos similares no país.
Três Caminhos para Chegar ao STJ
As controvérsias podem chegar ao tribunal superior por três vias principais:
A primeira é através dos próprios Tribunais de Justiça estaduais ou Tribunais Regionais Federais, que selecionam e encaminham recursos especiais sobre temas polêmicos. Quando isso acontece, os processos similares ficam suspensos no estado ou região até a definição do STJ.
O segundo caminho envolve recursos contra decisões de incidentes de resolução de demandas repetitivas (IRDR) ou de assunção de competência, julgados em segunda instância. Nesses casos, a tese definida pelo STJ tem aplicação automática em todo o país.
Por fim, a própria presidência da Comissão Gestora de Precedentes pode selecionar recursos com base em sua relevância social e potencial de repetitividade. Este último caso representa cerca de 57% das controvérsias identificadas em 2024.
O Papel da Comissão Gestora
Atualmente presidida pelo ministro Moura Ribeiro, a Comissão Gestora de Precedentes, Jurisprudência e Ações Coletivas é o órgão responsável por gerenciar todo o processo. Com apoio técnico do Núcleo de Gerenciamento de Precedentes e de Ações Coletivas (Nugepnac), a comissão avalia criteriosamente quais recursos têm potencial para se transformar em precedentes.
A escolha não é aleatória. Os técnicos buscam recursos que apresentem uma variedade maior de argumentos e sejam fundamentados de forma consistente, garantindo que a futura tese abranja diferentes aspectos da questão jurídica.
Da Controvérsia ao Precedente
Uma vez identificada uma controvérsia, o presidente da comissão define se ela se enquadra nos critérios estabelecidos. O Ministério Público Federal e as partes processuais podem se manifestar sobre a possível seleção.
Reconhecida a relevância, os recursos são distribuídos a um ministro relator, que tem 60 dias úteis para analisar se estão presentes todos os requisitos para transformar a questão em tema repetitivo. A proposta é então submetida ao colegiado competente – Corte Especial ou seção especializada – em sessão virtual.
Somente com a aprovação por maioria simples dos ministros a matéria é oficialmente afetada ao rito dos repetitivos, criando um novo tema com tese vinculante. Se o relator não apresentar a proposta no prazo, os processos suspensos voltam a tramitar e a controvérsia é cancelada, embora possa ser resubmetida posteriormente.
Transparência em Tempo Real
Para garantir transparência, o STJ disponibiliza um painel de Business Intelligence que permite acompanhar em tempo real os dados estatísticos sobre seleção de controvérsias, informações sobre temas repetitivos e sobrestamento de processos.
Esse sistema garante que advogados, juízes e cidadãos possam acompanhar quais questões estão sendo discutidas no tribunal e podem impactar seus próprios processos, contribuindo para maior previsibilidade e uniformidade nas decisões judiciais em todo o país.