Da Redação
O direito real de habitação, assegurado por lei ao cônjuge ou companheiro sobrevivente, pode ser estendido ao herdeiro vulnerável, a fim de ser garantido seu direito fundamental à moradia. Esse foi o entendimento pacificado recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), durante julgamento realizado pelos ministros da 3ª Turma da Corte.
Os magistrados, com essa posição, permitiram que um homem com esquizofrenia pode continuar morando no mesmo imóvel em que vivia com os pais e um de seus irmãos. O recurso julgado pela Turma foi iniciado a partir de uma ação de inventário que discute a partilha de um único imóvel deixado como herança pelos pais aos seis filhos.
Um dos filhos sobre curatela
O inventariante – que também é um dos herdeiros e curador definitivo do irmão incapaz – pediu a concessão do direito real de habitação em favor do irmão sob curatela, devido à situação de extrema vulnerabilidade.
As instâncias ordinárias, entretanto, rejeitaram o pedido sob o fundamento de que esse instituto jurídico assegura a moradia apenas ao cônjuge ou companheiro sobrevivente e não costuma ser aplicado em situações em que o falecido deixa mais herdeiros.
TJAL achou impossível estender a lei
O caso chegou ao Tribunal de Justiça de Alagoas (TJAL), onde os desembargadores consideraram que não é possível adotar uma interpretação extensiva da legislação sobre o tema prevista no artigo 1.829 do Código Civil, sob pena de prejudicar os direitos daqueles que se encontram na mesma ordem de vocação hereditária.
Por meio de um recurso junto ao STJ, o inventariante reiterou a necessidade de se ampliar o alcance do direito real de habitação para garantir a dignidade e o direito à moradia para o herdeiro vulnerável.
Para a relatora do processo no STJ, ministra Nancy Andrighi, a natureza protetiva do direito real de habitação permite que ele também seja reconhecido para outros integrantes do núcleo familiar, quando se veem privados de local para residir, em razão do falecimento do autor da herança.
Garantia de dignidade
De acordo com a ministra, “a interpretação ampliativa do instituto é importante para garantir a dignidade do herdeiro incapaz, considerando que a proteção das vulnerabilidades é uma premissa do direito privado atual”.
“Partindo-se do pressuposto que o fundamento do direito real de habitação consiste em conceder ao beneficiário a proteção de um direito fundamental à moradia, parece possível a sua flexibilização em contextos além do previsto pela norma”, enfatizou a ministra relatora.
Ao analisar o conflito entre o direito de propriedade dos herdeiros capazes e o direito de moradia de herdeiro vulnerável, Nancy Andrighi apontou que o direito de moradia deve prevalecer sobre o direito de propriedade. Isso porque, de acordo com ela a propriedade do bem já é assegurada a todos eles, mas o direito real de habitação apenas concede fração de uso para moradia, não intervindo na esfera de propriedade do imóvel.
Dificuldades para nova moradia
Além disso, a ministra explicou que o herdeiro vulnerável, caso seja afastado da residência que compartilhava com os pais, poderá enfrentar dificuldade para encontrar nova moradia, devido à condição que o impede de garantir, por conta própria, sua subsistência.
“Os demais herdeiros são maiores e capazes, e não há no processo informação de que viviam naquele imóvel ou dependiam economicamente dos pais. Logo, na situação examinada, deve-se permitir a ampliação do direito real de habitação em benefício do herdeiro com vulnerabilidade, a fim de garantir-lhe o direito social à moradia, privilegiando-se sua proteção e dignidade”, destacou a magistrada. O processo julgado foi o Recurso Especial (REsp) Nº 2.212.991.
— Com informações do STJ



