Por Hylda Cavalcanti
Uma briga empresarial marcada por disputa referente a direitos autorais sobre projetos de engenharia e arquitetônicos e acusação de espionagem na maior cidade do Brasil ganha novos capítulos a partir de um pedido formalizado na Justiça trabalhista. Trata-se da disputa que envolve os sócios do Hotel Rosewood, um dos mais luxuosos de São Paulo. E diz respeito a solicitação de antecipação de tutela movido por uma ex-funcionária.
Essa ex-funcionária entrou com pedido para obter documentos que confirmam suas informações sobre ter sofrido assédio moral e discriminações diversas. E que estão sendo mantidos sob segredo de Justiça até agora. Mas, por sua vez, fornecem as provas que ela necessita para a ação trabalhista. Negada em primeira instância, a solicitação está sendo alvo de recursos e pode subir para o Tribunal Superior do Trabalho (TST).
A trabalhadora alega que sofreu vários tipos de retaliações por ter se recusado a participar de atos ilícitos que envolviam investigação de computadores em meio à guerra empresarial ordenada por sua chefe direta. O pedido foi ajuizado na primeira instância no dia 28 de agosto e agora tramita no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2). Na avaliação de especialistas, a depender do resultado, tende a provocar um desenlace no litígio existente entre as duas corporações. O HJur teve acesso aos documentos apresentados pela defesa da ex-funcionária.
Inaugurado em 2022, o hotel é controlado pela BM Empreendimentos S/A (BME) e pela holding chinesa Chow Tai Fook Enterprises Limited (CTF). Conforme informações divulgadas nos portfólios do hotel, em 2010 o empresário francês Alex Allard, da BME, adquiriu o antigo Hospital Matarazzo e criou no local o que chama de Cidade Matarazzo, onde fica localizado o Rosewood.
Litígio entre sócios
A CTF passou a fazer parte do negócio, para viabilizar a execução financeira do projeto, a partir de 26 de novembro de 2013. Tudo correu bem inicialmente, mas há alguns anos foi iniciado um litígio entre os sócios, com acusações que envolvem desde usurpação de direitos autorais e arquitetônicos e invasões a arquivos sigilosos. O processo segue tramitando, parcialmente submetido a segredo de justiça.
Acontece que a ex-funcionária da BME Beatriz do Carmo Leandro Arandas entrou com ação pedindo acesso a várias provas. Ela alegou que os documentos em questão são importantes para que possa ajuizar processo neste segmento do Judiciário para exigir seus direitos trabalhistas.
Beatriz relatou que, depois de ter se recusado a realizar um serviço que considerou ilícito, passou a sofrer assédio moral por meses, o que a fez adoecer psicologicamente ao ponto de desenvolver síndrome de Bornout. Foi quando resolveu denunciar o ocorrido ao serviço de compliance da empresa, mas lodo depois foi mandada embora sem maiores explicações.
Sua advogada, Darlene Otofuji Ramos, afirmou que por se tratar de uma ação trabalhista, o foro competente para o pedido de produção antecipada de provas com exibição de documentos com pedido de tutela antecipada compete à Justiça do Trabalho.
Entenda o caso
Beatriz contou que trabalhou durante anos na diretoria jurídica da BME. Mas quando identificou possíveis condutas ilícitas praticadas pela diretoria e foi chamada para participar do trabalho, se recusou. Tais condutas estão diretamente ligadas à invasão do computador da advogada Cynthia Jourdet, com extração indevida de informações sigilosas.
A ex-trabalhadora da empresa afirmou que depois de ter sido hostilizada por meses por ter se recusado a fazer a invasão indevida, formalizou em julho de 2024 denúncia ao canal de Compliance da BME, conforme prevê o Código de Ética e Conduta interno. Mas o seu gesto culminou com o encerramento abrupto do vínculo contratual, sem resposta da BME quanto ao desfecho da apuração interna.
Pedidos reiterados
Beatriz acrescentou que, após cerca de um ano sem qualquer resposta sobre as investigações, ela foi até o escritório e apresentou provas, pedindo reiteradas vezes, de maneira amigável, acesso à documentação relativa à apuração interna — incluindo o teor da denúncia registrada, eventuais depoimentos, pareceres ou o relatório final. Mas contou que foi “sistematicamente ignorada”.
Dessa forma, conforme argumentou sua advogada, tornou-se “imprescindível a via judicial como único meio viável para obtenção da verdade dos fatos e para assegurar seu direito de defesa e acesso à informação”.
A peça jurídica ainda pede que, na hipótese de inexistência de conclusão formal da investigação, Beatriz tenha acesso integral a todos os elementos colhidos até o momento da determinação judicial de exibição de documentos. De modo a assegurar “transparência quanto aos desdobramentos da denúncia e verificar possível violação de sigilo ou irregularidades na condução do processo interno que resultou em retaliação direta a ela”.
Fatos confirmados em ação
A defesa de Beatriz relembra, ainda, que os fatos denunciados pela ex-funcionária foram confirmados em ação judicial ajuizada pelo empresário Alexandre Allard, membro do Conselho da BME, que tramita sob o número 1044344-69.2025.8.26.0100 na Justiça paulista. E que Allard teve acesso ao relatório interno da empresa e o utilizou como fundamento para medida judicial que tramita em sigilo.
“A relação mantida entre as partes, revestia-se de todas as características próprias de uma relação de emprego, conforme definição constante no artigo 3 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O trabalho da autora se dava de forma pessoal, não eventual, onerosa e, sobretudo, subordinada à diretora jurídica”, enfatizou a advogada.
Busca infrutífera
A autora da ação também afirmou que ao longo de um ano buscou esclarecimentos e acesso à documentação da investigação decorrente de sua denúncia e procurou saber o motivo de não ter sido pago o seu bônus saúde, solicitando uma composição amigável. Mas recebeu apenas e-mails vagos, sem qualquer resposta efetiva. Até que em maio deste ano, foi procurada por uma advogada da BME, para tentativa de acordo extrajudicial. Porém, diante da assimetria de informações entre as partes, resolveu ajuizar a ação.
Procuradas, a BME e a CTF não se manifestaram a respeito. O HJur aguarda retorno das duas empresas e pode atualizar a reportagem a qualquer momento a partir de retornos a serem recebidos por ambas. A ação foi negada em primeira instância pela juíza Eumara Arandas, da 40ª Vara do Trabalho de São Paulo, cuja posição foi de que não é necessário o acesso a documentos que estão sob sigilo judicial em outra ação para ajuizamento de um processo trabalhista.
Mas a defesa da trabalhadora apresentou recurso junto ao TRT-2 e, se achar que é preciso, pretende fazer o caso subir para o Tribunal Superior do Trabalho (TST). Acesse aqui o documento ajuizado junto ao Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2). O pedido de produção antecipada de provas, feito por Beatriz Arandas foi protocolado na Justiça trabalhista por meio do Processo Nº 1001423-02.2025.5.02.0040.